quinta-feira, 13 de setembro de 2012

O risco do uso indiscriminado dos anti-inflamatório

 Desde a exigência da receita médica para a aquisição de antibióticos, os anti-inflamatórios têm sido cada vez mais consumidos, muitas vezes até sob a orientação de um especialista, que pode estar equivocado

Os anti-inflamatórios, por serem comprados sem receita médica e considerados mais leves que os antibióticos, têm sido cada vez mais adquiridos para tratar diversos males. E, de acordo com a reumatologista pediatra Ana Paula Vecchi, doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), o mau hábito está se estendendo também aos cuidados (ou falta de) com as crianças. “Nos últimos tempos temos observado o uso frequente de anti-inflamatórios em crianças cada vez menores, muitas delas com menos de um ano, para controle da febre, porque os pais entendem que se trata de um simples antitérmico ou analgésico. E o que nos tem chamado a atenção é que, muitas vezes, foi prescrito pelo próprio pediatra”, critica a médica. “Gostaríamos de lembrar que existem alguns anti-inflamatórios que não estão liberados para a faixa etária pediátrica. São liberados pelo FDA o Naproxeno, AAS, Ibuprofeno e Indometacina e pela Anvisa além dos quatro o Cetoprofeno”, assinala.

Ana Paula diz que a maior preocupação é com o uso indiscriminado, com a banalização dos efeitos colaterais, ou como substituto do antitérmico, visto que ele pode mascarar os sintomas iniciais de uma doença mais séria, como a Síndrome de Kawasaki. “Já tivemos, por diversas vezes, pacientes com AIJ em uso crônico de Naproxeno e que receberam no pronto socorro uma receita de Ibuprofeno para controle da febre, causada por um resfriado. A associação de dois anti-inflamatórios potencializa os seus efeitos colaterais”, esclarece.

Além dessas situações, a médica lembra que, em caso da dengue, quando a manifestação inicial é somente febre, o uso de anti-inflamatório, mesmo que em dose baixa, pode levar a alteração na agregação plaquetária, favorecendo sangramento. “Gostaria de salientar que a dose analgésica do Ibuprofeno é de 10-15 mg/kg/ dia e que sua dose anti-inflamatória é de 30-50 mg/kg/dia. Então na sua apresentação 100, se o pediatra prescrever 1 gota por kilo, estará usando a dose anti-inflamatória”, avisa.

Segundo ela, os efeitos colaterais dos anti-inflamatórios são principalmente gastrointestinais, como dor abdominal, gastrite, esofagite, duodenite, podendo ocorrer úlcera e perfuração e até mesmo sangramento disgestivo grave e que nefrite (inflamação dos rins), broncoespasmo e disfunção plaquetária (presença de equimoses, sangramentos) podem ocorrer. Além disso, os anti-inflamatórios seletivos COX-2 podem aumentar o risco de eventos cardiovasculares e tromboembólicos em usuários crônicos da medicação

Indicações corretas
Ana Paula diz que, em crianças, os antiinflamatórios têm o seu uso bem estabelecido em doenças inflamatórias crônicas, como a artrite idiopática juvenil, nos processos inflamatórios, tais como torções, artrites agudas reacionais, Febre reumática e doença de Kawasaki. Ela afirma ainda que podem também ser utilizados como uma opção analgésica, quando falham a dipirona ou o paracetamol. “Os anti-inflamatórios agem inibindo a formação de mediadores inflamatórios derivados da cascata do ácido aracdônico (um fosfolípide encontrado em toda membrana celular), são eles: a prostaglandinas, prostaciclinas e o tromboxane. Mas os antiinflamatórios bloqueiam principalmente a formação das prostaglandinas. A sua ação se dá no bloqueio da cicloxigenase”, relata.

Segundo ela, existem pelo menos duas isoformas de cicloxigenase (COX) que apresentam diferenças na sua regulação e expressão. “De uma forma geral todos os anti-inflamatórios bloqueiam as duas em graus variáveis, mas existem aqueles que inibem preferencialmente a COX-2 como o Nimesulide e os específicos como o Celecoxibe, Paracoxibe e Etoricoxibe”, informa, acrescentando que as COX-1, estão expressas em todo o corpo e auxiliam na manutenção da integridade da mucosa gastroduodenal, homeostase vascular, agregação plaquetária e modulação do fluxo plasmático renal. Já a COX-2, continua a médica, é uma enzima indutível, geralmente indetectável na maioria dos tecidos, sua expressão é aumentada em processos inflamatórios. “Ela é expressa constitutivamente no cérebro, rim, ossos e provavelmente no sistema reprodutor feminino. Sua atividade é importante na modulação do fluxo sanguíneo glomerular e balanço hidroeletrolítico”.

A reumatologista pediatra comenta ainda que recentemente foi descoberta uma variante do gene da COX-1, descrito como COX-3. “Essa parece ser expressa em altos níveis no sistema nervoso central e pode ser encontrada também no coração e na aorta. Essa enzima é seletivamente inibida por drogas analgésicas e antipiréticas, como Paracetamol e Dipirona, e é potencialmente inibida por alguns AINEs. Essa inibição pode representar um mecanismo primário central pelo qual essas drogas diminuem a dor e possivelmente a febre. A relevância dessa isoforma ainda não está clara”, conclui.

Jornal da Sociedade Goiana de Pediatria, setembro de 2012.

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