quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Acompanhamento psicológico na luta contra o câncer

Por
Rita de Cássia Reis Rabelo Jácomo
Psicóloga graduada pela PUC – GO
Especialista em Psicodrama Terapêutico pela SOGEP – Sociedade Goiana de Psicodrama


Hoje vivemos em um mundo corrido, estressante, que muitas vezes nos impede de entrarmos em contato com o nosso interior e realmente enxergarmos as nossas necessidades. Corpo e mente não andam separados; o velho ditado “quando a cabeça não pensa o corpo padece” é muito verdadeiro. O corpo reflete aquilo que eu penso da vida e o que eu quero para a vida.

A psicóloga do Laboratório Hemolabor, Rita de Cássia Reis Rabelo Jácomo, desenvolveu um estudo grupal com seus pacientes o qual teve como objetivo investigar a aplicação e os efeitos de uma prática psicoterápica que favoreceu ajuda aos pacientes oncológicos e seus cuidadores. Cabe ressaltar que este tipo de atendimento é oferecido constantemente aos pacientes/familiares e cuidadores desta instituição – inclusive, pós-óbito, quando é o caso. 

O grupo foi formado por pacientes/familiares e cuidadores do Hemolabor que estavam em tratamento quimioterápico e se reunia uma vez por semana, durante 90 minutos. Nesses encontros, os pacientes/familiares e cuidadores encontravam espaço para expressarem suas angústias, dificuldades e limitações diante do câncer, desde o seu início, percorrendo todo o seu tratamento, sempre verificando como cada um se sentia no “aqui-agora”. Deste modo, puderam compartilhar vivências, pensamentos, sentimentos e percepções, favorecendo assim, uma melhor compreensão do momento – estar doente.

Dethlefsen e Dalke, citados pela autora, disseram: “Não é preciso vencer o câncer, ele tem de ser compreendido, para que nós também possamos compreender a nós mesmos”. É riquíssimo observar como o ser humano é dotado de desejo e vontade de vencer seus problemas, dores e medos e que, quando engajados, nada os detêm, e, desta forma, o grupo se encaminhou, lutando a cada encontro para se reencontrar. O grupo permite ao paciente observar como os demais se comportam e o resultado decorrente desta determinada ação.


Reações negativas ao diagnóstico

Segundo Klüber-Ross (1998), o diagnóstico do câncer pode levar a reações de negação, raiva, depressão, barganha e aceitação; sendo que essas reações fazem parte de um processo natural e de grande importância dentro do processo do adoecer. As reações iniciais, principalmente as de conservas culturais (preconceitos, mitos, crenças, hábitos, normas, tabus etc...), apresentadas pelas pessoas que passavam a fazer parte do grupo psicoterapêutico, iam sendo, aos poucos, substituídas por aprendizados que elevassem sua autoestima, sua capacidade criadora e espontânea, resultando em plena reorganização de seu mundo interno, refletindo em suas relações e comportamentos externos. Assim o foi com a paciente Márcia (nome fictício) – diagnóstico de câncer de mama –, seus cuidadores e outros participantes do grupo. 
 
Segue um trecho de uma das participações da paciente na sessão grupal, quando ela relatou o modo como, inicialmente, concebia o procedimento quimioterápico, sendo este um exemplo nítido de conserva cultural:
–– (...) Eu tinha a impressão de que seriam várias máquinas ao meu redor. A gente só ouve falar em quimioterapia como sendo algo terrível, como se a pessoa estivesse morrendo (...).
Esta era a cena imaginada e temida. Diante daquela cena, Márcia estava se sentindo paralisada, impotente.

Encontro pessoal
As técnicas do psicodrama, no contexto maior da metodologia psicodramática (duplo, solilóquio, tomada de papéis com os personagens: câncer, quimioterapia, médico, familiar...), foram fazendo com que cada pessoa se redescobrisse. Ali, elas se encontravam, novamente, consigo mesmas, com suas capacidades, com sua espontaneidade e criatividade perdidas, podiam ressignificar suas conservas culturais, aprender e reaprender o jogo de seus papéis e, muito importante também, colocar-se no papel do outro.
A cada reunião do grupo, os pacientes percebiam que, apesar de estarem fragilizados, não estavam sozinhos. O acolhimento recebido dos outros participantes permitia que eles se reorganizassem, ressignificassem, recriassem, recontextualizassem sua própria realidade.
Para Márcia e seus cuidadores, foram nove meses (desde o início ao final de seu tratamento) de novos aprendizados e tempo para reavaliação de valores de uma história de vida.

Crescimento emocional
O caso clínico descrito ilustrou a eficácia da utilização do psicodrama como teoria e método de tratamento, alcançando o objetivo desse estudo.
Atenta a cada momento do grupo e procurando agir de acordo com o que ele precisava, a psicoterapeuta, no papel de diretora, acompanhou a experiência ali vivida, priorizando sua manutenção e o desenvolvimento da coesão interna. O vínculo terapêutico fortalecido ofereceu condições, manteve e estimulou uma relação adequada, que teve como frutos o desenvolvimento e o crescimento emocional, tanto dos pacientes/cuidadores, quanto da psicoterapeuta.
O psicodrama levou o paciente a adquirir cada vez mais consciência do seu drama, de perceber-se no mundo, reconhecendo os papéis que evitava ou desempenhava sem espontaneide-criatividade. Deste modo, permitiu-se a recriação da identidade de todos os membros do grupo.

Dupla chance de “cura”
A partir do que foi exposto, pode-se concluir que o homem adoece e atinge sua cura na relação com o outro e consigo mesmo. Assim sendo, dentro do grupo, o paciente teve dupla chance de encontrar sua “cura”. Teve oportunidade de reencontrar-se e, ao mesmo tempo, conceber o próximo, de uma forma ampliada para além dos limites câncer e não câncer. O paciente/cuidador recebeu e ofereceu-se oportunidades inerentes ao grupo, permitindo-se levar para lá conteúdos mais íntimos seus. Ele extravasou os limites do câncer, percebeu-se, viu-se como um ser humano que buscava tratar-se e não tratar somente sua doença.

Deste modo, quando sentiu-se acolhido, tranquilo e confiante, começou a levar para o grupo conteúdos que o oportunizasse explorar suas dores latentes, sua sensibilidade e receios. Ele almejava, além de sua “cura física”, relacionar-se com a saúde mais desejada e aclamada – a saúde da alma, das palavras não ditas, dos temores repreendidos.

Em contato com a teoria moreniana, a psicoterapeuta também pode perceber que outro grande legado deixado pelo pai do Psicodrama (Jacob Levy Moreno) é pertinente à cura através da ação, compreendida no seu sentido mais amplo: ação física, mental e emocional. O psicodrama ensina que somos responsáveis pela nossa vida, pelo nosso drama e história, e é através da nossa ação que reescrevemos nosso roteiro e redirecionamos nossa vida.

O papel da psicodrama
O objetivo do psicodramatista não é agir pelo paciente, mas, orientar, acompanhar, e conscientizá-lo neste caminhar rumo a si mesmo, utilizando ou mobilizando não só a psique, mas o “eu” fisiológico (corpo), psicológico e social. Deste movimento, percebe-se que a mudança terapêutica revela-se no paciente/cuidador através do novo desempenho de papéis, não mais cristalizados, enfim, funcionais, adequados e criativos, levando-o à espontaneidade que favorece a saúde e autenticidade: o verdadeiro homem saudável de Moreno.

Nenhum comentário:

Postar um comentário