Rita de Cássia Reis Rabelo Jácomo
Psicóloga graduada pela PUC – GO
Especialista em Psicodrama Terapêutico pela SOGEP – Sociedade
Goiana de Psicodrama
Hoje vivemos em um mundo corrido, estressante, que muitas vezes nos
impede de entrarmos em contato com o nosso interior e realmente
enxergarmos as nossas necessidades. Corpo e mente não andam
separados; o velho ditado “quando a cabeça não pensa o corpo
padece” é muito verdadeiro. O corpo reflete aquilo que eu penso da
vida e o que eu quero para a vida.
A psicóloga do Laboratório Hemolabor, Rita de Cássia Reis Rabelo
Jácomo, desenvolveu um estudo grupal com seus pacientes o qual teve
como objetivo investigar a aplicação e os efeitos de uma prática
psicoterápica que favoreceu ajuda aos pacientes oncológicos e seus
cuidadores. Cabe ressaltar que este tipo de atendimento é oferecido
constantemente aos pacientes/familiares e cuidadores desta
instituição – inclusive, pós-óbito, quando é o caso.
O grupo foi formado por pacientes/familiares e cuidadores do
Hemolabor que estavam em tratamento quimioterápico e se reunia uma
vez por semana, durante 90 minutos. Nesses encontros, os
pacientes/familiares e cuidadores encontravam espaço para
expressarem suas angústias, dificuldades e limitações diante do
câncer, desde o seu início, percorrendo todo o seu tratamento,
sempre verificando como cada um se sentia no “aqui-agora”. Deste
modo, puderam compartilhar vivências, pensamentos, sentimentos e
percepções, favorecendo assim, uma melhor compreensão do momento –
estar doente.
Dethlefsen
e Dalke, citados pela autora, disseram: “Não é preciso vencer o
câncer, ele tem de ser compreendido, para que nós também possamos
compreender a nós mesmos”. É riquíssimo observar como o ser
humano é dotado de desejo e vontade de vencer seus problemas, dores
e medos e que, quando engajados, nada os detêm, e, desta forma, o
grupo se encaminhou, lutando a cada encontro para se reencontrar. O
grupo permite ao paciente observar como os demais se comportam e o
resultado decorrente desta determinada ação.
Reações negativas ao diagnóstico
Segundo
Klüber-Ross (1998), o diagnóstico do câncer pode levar a reações
de negação, raiva, depressão, barganha e aceitação; sendo que
essas reações fazem parte de um processo natural e de grande
importância dentro do processo do adoecer. As reações iniciais,
principalmente as de conservas culturais (preconceitos, mitos,
crenças, hábitos, normas, tabus etc...), apresentadas pelas pessoas
que passavam a fazer parte do grupo psicoterapêutico, iam sendo, aos
poucos, substituídas por aprendizados que elevassem sua autoestima,
sua capacidade criadora e espontânea, resultando em plena
reorganização de seu mundo interno, refletindo em suas relações e
comportamentos externos. Assim o foi com a paciente Márcia (nome
fictício) – diagnóstico de câncer de mama –, seus cuidadores e
outros participantes do grupo.
Segue
um trecho de uma das participações da paciente na sessão grupal,
quando ela relatou o modo como, inicialmente, concebia o procedimento
quimioterápico, sendo este um exemplo nítido de conserva cultural:
–– (...) Eu tinha a impressão de que seriam várias máquinas ao
meu redor. A gente só ouve falar em quimioterapia como sendo algo
terrível, como se a pessoa estivesse morrendo (...).
Esta era a cena imaginada e temida. Diante daquela cena, Márcia
estava se sentindo paralisada, impotente.
Encontro pessoal
As técnicas do psicodrama, no contexto maior da metodologia
psicodramática (duplo, solilóquio, tomada de papéis com os
personagens: câncer, quimioterapia, médico, familiar...), foram
fazendo com que cada pessoa se redescobrisse. Ali, elas se
encontravam, novamente, consigo mesmas, com suas capacidades, com sua
espontaneidade e criatividade perdidas, podiam ressignificar suas
conservas culturais, aprender e reaprender o jogo de seus papéis e,
muito importante também, colocar-se no papel do outro.
A cada reunião do grupo, os pacientes percebiam que, apesar de
estarem fragilizados, não estavam sozinhos. O acolhimento recebido
dos outros participantes permitia que eles se reorganizassem,
ressignificassem, recriassem, recontextualizassem sua própria
realidade.
Para Márcia e seus cuidadores, foram nove meses (desde o início ao
final de seu tratamento) de novos aprendizados e tempo para
reavaliação de valores de uma história de vida.
Crescimento emocional
O caso clínico descrito ilustrou a eficácia da utilização do
psicodrama como teoria e método de tratamento, alcançando o
objetivo desse estudo.
Atenta a cada momento do grupo e procurando agir de acordo com o que
ele precisava, a psicoterapeuta, no papel de diretora, acompanhou a
experiência ali vivida, priorizando sua manutenção e o
desenvolvimento da coesão interna. O vínculo terapêutico
fortalecido ofereceu condições, manteve e estimulou uma relação
adequada, que teve como frutos o desenvolvimento e o crescimento
emocional, tanto dos pacientes/cuidadores, quanto da psicoterapeuta.
O psicodrama levou o paciente a adquirir cada vez mais consciência
do seu drama, de perceber-se no mundo, reconhecendo os papéis que
evitava ou desempenhava sem espontaneide-criatividade. Deste modo,
permitiu-se a recriação da identidade de todos os membros do grupo.
Dupla chance de “cura”
A partir do que foi exposto, pode-se concluir que o homem adoece e
atinge sua cura na relação com o outro e consigo mesmo. Assim
sendo, dentro do grupo, o paciente teve dupla chance de encontrar sua
“cura”. Teve oportunidade de reencontrar-se e, ao mesmo tempo,
conceber o próximo, de uma forma ampliada para além dos limites
câncer e não câncer. O paciente/cuidador recebeu e ofereceu-se
oportunidades inerentes ao grupo, permitindo-se levar para lá
conteúdos mais íntimos seus. Ele extravasou os limites do câncer,
percebeu-se, viu-se como um ser humano que buscava tratar-se e não
tratar somente sua doença.
Deste modo, quando sentiu-se acolhido, tranquilo e confiante, começou
a levar para o grupo conteúdos que o oportunizasse explorar suas
dores latentes, sua sensibilidade e receios. Ele almejava, além de
sua “cura física”, relacionar-se com a saúde mais desejada e
aclamada – a saúde da alma, das palavras não ditas, dos temores
repreendidos.
Em contato com a teoria moreniana, a psicoterapeuta também pode
perceber que outro grande legado deixado pelo pai do Psicodrama
(Jacob Levy Moreno) é pertinente à cura através da ação,
compreendida no seu sentido mais amplo: ação física, mental e
emocional. O psicodrama ensina que somos responsáveis pela nossa
vida, pelo nosso drama e história, e é através da nossa ação que
reescrevemos nosso roteiro e redirecionamos nossa vida.
O papel da psicodrama
O objetivo do psicodramatista não é agir pelo paciente, mas,
orientar, acompanhar, e conscientizá-lo neste caminhar rumo a si
mesmo, utilizando ou mobilizando não só a psique, mas o “eu”
fisiológico (corpo), psicológico e social. Deste movimento,
percebe-se que a mudança terapêutica revela-se no paciente/cuidador
através do novo desempenho de papéis, não mais cristalizados,
enfim, funcionais, adequados e criativos, levando-o à espontaneidade
que favorece a saúde e autenticidade: o verdadeiro homem saudável
de Moreno.
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