quarta-feira, 4 de abril de 2012

Religião e saúde: o caso de portadores do vírus da imunodeficiência humana - HIV/AIDS

Por RAIMUNDO NONATO LEITE PINTO | Professor da Universidade Estadual de Goiás – UEG e da Pontifícia Universidade Católica – PUC GOIÁS, Doutorando do Programa de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica – PUC GOIÁS. Dirigente Cooperativista








Apesar do avanço terapêutico, influenciando diretamente na qualidade de vida dos pacientes, a cura da AIDS ainda não é possível. Desta forma, os pacientes muitas recorrem a terapias alternativas ou complementares, incluindo-se dentre elas, a religião. Neste trabalho de dissertação de mestrado, procuramos identificar indicadores de relação entre o fenômeno religioso e a obtenção de benefícios por parte dos pacientes com HIV/AIDS.

Nosso objeto de estudo foi paciente com HIV/AIDS, do Hospital Doutor Anuar Auad e da Climipi Infectologia, ambos localizados na cidade de Goiânia, estado de Goiás, Brasil. O objetivo do estudo foi procurar identificar as características da religião, nas suas mais variadas manifestações e se a crença religiosa poderia estar presente nos pacientes com HIV/AIDS.

A hipótese levantada foi de que a religião se faria presente nos portadores de HIV, podendo-se percebê-la pela presença nos consultórios e enfermarias, de símbolos, padres, pastores, etc. Ela contribuiria para a autoconfiança e esperança de cura, de tal forma que isto poderia levar até ao abandono do tratamento médico com medicamentos antirretrovirais.

Buscou-se discutir a presença do fator religioso na vivência de portadores do HIV, entendendo esta presença dentro do contexto que historicamente tem se estabelecido entre saúde e religião.
Foi escolhida a metodologia qualitativa de pesquisa, de natureza exploratória, utilizando-se como instrumento de entrevista, um questionário com quatro perguntas abertas.

Inicialmente realizamos uma abordagem sobre a forte influência que tem a religião, como fator gerador de esperança nos casos de doenças graves, como na AIDS e outras, bem como a influência desta na própria manutenção ou preservação da saúde.

Em seguida estabelecemos a relação histórica entre os dois temas e a relação direta da religião com a AIDS. Na análise dos discursos fica evidente a busca da religião como forma de ressignificar a doença à luz do discurso religioso, embora alguns pacientes tenham desconsiderado esta importância atribuída à religião.

A relação da religião com a AIDS foi o objetivo central da nossa pesquisa, uma vez que, trabalhando há mais de vinte anos com pacientes portadores do HIV e com doentes com AIDS, indagávamo-nos qual seria o papel da religião na melhoria da saúde destes pacientes, se é que haveria realmente um benefício da prática religiosa.

A pesquisa de campo, com a entrevista dos pacientes, vistatanos possibilitou a obtenção de resultados extremamente interessantes. O conceito que os entrevistados apresentaram de Deus, corresponde ao que autores clássicos como Rudolf Otto e Mircea Eliade atribuem ao sagrado. É um deus poderoso, que tudo pode e com muita compaixão.

Além do mais, na visão destas pessoas, é um deus que oferece oportunidade de se purificar com o sofrimento provocado pela doença. Um dos fiéis externou este sentimento alegando que tendo Deus consigo, ele tem o doutor e dono da vida residindo dentre de si e que, portanto, Ele é capaz não só de curá-lo, mas de dar-lhe saúde e suprir todas as suas necessidades.

Para outro entrevistado, a sua doença é interpretada como um meio que Deus utilizou para resgatá-lo da morte. Isto é, na sua concepção, Deus se manifestou através da doença para que ele corrija sua conduta e tenha a oportunidade de fugir, como ele mesmo afirma, das profundezas da morte e obtenha a salvação. Tal manifestação ilustra bem o conceito de Max Weber ao referir que a esperança de salvação influencia na mudança de conduta humana, ou seja, a pessoa busca a santificação, purificação, uma busca de espiritualidade, que funciona como um “renascimento”.

Outro aspecto encontrado é a importância atribuída à religião, como fornecedora de sentido para as suas vidas e legitimadora da doença. Manifestações de descuidos e extravagâncias cometidas reforçam este aspecto, ou seja, a religiosidade colocaria o fiel novamente no caminho correto, no caminho da purificação, no caminho de Deus. E isto, na visão destes, representa um poderoso “medicamento” no combate à sua doença.

Na maioria dos depoimentos dos sujeitos entrevistados é evidente a função exercida pela religião, principalmente no que diz respeito à esperança e confiança. Ficou bem evidenciada a relação forte, existente entre a religião e a saúde, evidenciada desde épocas pré-cristãs, mas com grande influência com o surgimento do cristianismo, sendo que até o século XVIII os religiosos eram responsáveis pela cura, não só espiritual, mas também física, administrando ervas e unguentos aos enfermos.
Comparando-se o pensamento de autores clássicos da sociologia da religião com o que nos dizem os sujeitos de nossa pesquisa, somos levados a afirmar que a religião exerce uma forte influência nos pensamentos e atitudes das pessoas. Isto seria uma forma de preparar cada uma destas para o enfrentamento da doença.









Revista da Academia Goiana de Medicina, março de 2012.

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