terça-feira, 6 de março de 2012

O médico do presente, do passado e do futuro

Por Paulo Sérgio de Farias | Neurologista

Tenho hoje 22 anos de formado e no reencontro com amigos e colegas de turma, muitas vezes me surpreendo e vejo que realmente já estou ficando velho, apesar da impressão de ainda estar jovem como nos tempos de graduação. Quando encontro colegas que não via desde a faculdade é natural relembrarmos momentos daquela época, que parece tão próxima. Ao longo de nossas conversas versamos sobre múltiplos temas, dentre eles nossa família e filhos, sendo surpreendidos e surpreendendo com nossos filhos já na faculdade ou concluindo a mesma. Quão grande nosso espanto quando deparamos com nosso passado tão próximo, e o futuro de nossos filhos ainda mais próximo. Que interessante esta contraposição do “tempo real” e o “tempo aparente”.

Quando versamos sobre as profissões a serem seguidas por nossos filhos, exponho que meu primogênito está se formando em Direito, meu segundo filho está nos meados da Engenharia de Computação e meu terceiro filho está se preparando para o vestibular de Medicina. Me estranha o fato de que grande parte de meus colegas médicos me surpreendem com a notícia de que seus filhos “felizmente escolheram outro curso que não a Medicina” ou “ Que bom que seu filho faz Direito ou Engenharia”. Minha colocação aos mesmos é a de que jamais influí na escolha de suas profissões, mas secretamente nutro uma imensa alegria por aquele que escolheu nossa profissão. Esclareço a eles que a medicina nos dá a maravilhosa oportunidade de um trabalho junto à mente e corpo de nossos pacientes, podendo trazer-lhes um imenso alívio, tendo como consequência direta a nós satisfação e crescimento ético-moral.

Esses meus colegas reconhecem tudo isso, mas queixam-se de suas jornadas de trabalho estressantes, sua falta de tempo para a família e outras atividades, a remuneração inadequada paga pelo setor público ou convênios, gerando um estado afetivo onde as alegrias da profissão podem ser suplantadas pelo ritmo estressante de trabalho. A sociedade cobra do médico um status social, que leva a maioria dos mesmos a ter que se submeter a este ritmo de vida. É por isso que alguns desabafam que não gostariam que seus filhos trilhassem por estes caminhos.

Quem teria razão, eu, com minha visão romântica e idealista, ou esses meus colegas com sua visão realista? Na contramão destes fatos é comum nossa constatação, em consultório, de pais não médicos de adolescentes, que sonham em ver seus filhos portando um diploma de medicina. Qual será a visão da sociedade em relação à classe médica? São conhecidas as fontes de angústia e desestímulo destes profissionais? É conhecida sua real condição financeira e a forma pela qual ela é atingida? Parece-nos que ainda existe um abismo entre a classe médica e a sociedade, no que tange a suas reais condições de vida.

No passado o médico era uma espécie de “Semi-Deus”, um profissional bastante raro, muito respeitado, gozava de boa condição financeira, com imensa influência na sociedade local. Existia a figura do “Médico de família”, que examinava e medicava o paciente em sua casa, muitas vezes percorrendo grandes distâncias. Nesta época não haviam operadoras de planos de saúde, sendo os honorários negociados diretamente entre as partes. Será que hoje, com toda a evolução diagnóstica e terapêutica, com a intermediação de seguradoras de saúde, gestores hospitalares e gestores públicos, a satisfação de ambos é melhor do que naqueles tempos? Será que a peculiar relação entre o médico e seu paciente é a mesma?

Atualmente o “Efeito Placebo” é alvo de pesquisas em vários países do mundo. Este efeito é uma resposta terapêutica eficaz, induzida por um agente sem efeito farmacológico. Por exemplo, uma pessoa toma uma cápsula de farinha de trigo para determinada doença e tem uma melhora, ou resolução total de seus sintomas. Esta comparação com o “medicamento placebo” já foi bastante utilizada em pesquisas clínicas, sendo que em várias doenças seu efeito pode ser superior a 60% de eficácia.

O efeito placebo, conforme vários estudos demonstram, é o resultado de complexas alterações fisiológicas neuro-imuno-endócrinas no indivíduo. Essas alterações são induzidas pela esperança e confiança em um determinado tratamento, o que poderíamos chamar de fé, não necessariamente em seu cunho religioso, pois este efeito é observado também em pessoas “ateias”. Diante destas considerações raciocinemos sobre a importância de uma boa relação médico-paciente, que associada a uma eficaz intervenção técnica, amplificará os resultados terapêuticos.

Para mim e meus colegas de profissão, rogo e trabalho por mudanças estruturais na complexa estrutura de saúde de nosso país, que propiciem dignidade e satisfação ao paciente, que é o alvo a ser beneficiado. Que nós médicos possamos concluir nossa tarefa diária com a paz do dever cumprido, o prazer da lembrança do alívio alcançado por seus pacientes, e a alegria de poder, no dia seguinte, auxiliar a outros sofredores. Que tenhamos momentos dedicados ao estudo, descanso e lazer com nossos entes amados. Rogo para que meu filho, futuro médico, herde um planeta que dê maior valor ao ser humano, a suas necessidades emocionais e físicas. Um mundo fraterno, que não se autodestrua pelo consumismo exagerado. Rogo para que as futuras gerações de médicos sejam “Médicos de homens e de almas”.

Revista Medicina em Goiás, fevereiro de 2012.

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