sexta-feira, 30 de setembro de 2011

De colheitador a para-atleta

Cláudio Aparecido dos Santos supera as dificuldades que lhe são impostas diariamente com amor, fé em Deus e pensamento positivo

A vida de Cláudio Aparecido dos Santos deu uma guinada quando aos 19 anos, em 1992, perdeu parte da perna esquerda. Durante a colheita de arroz, na zona rural da cidade de Santa Fé (260
km de Goiânia), o jovem escorregou e caiu dentro da máquina agrícola. “Depois do acidente minha vida deu muitas voltas. Por incrível que pareça só obtive resultados positivos. Claro que os negativos eu tenho, mas tiro de letra.

Descobri o paradesporte e dedico-me ao ciclismo e futebol”, orgulha-se. Obstinado a vencer na vida, o adolescente não se deu por vencido e resolveu morar em Goiânia em busca de tratamento especializado e também para conseguir uma prótese para voltar a andar. Cláudio recorda-se que mesmo se considerando otimista, teve momentos em que se sentiu fragilizado. “No início
fi quei a mil por hora. O estresse é enorme. Para mim não foi fácil. Tudo aconteceu rápido e fui me adaptando aos poucos”, confessa.

Cláudio diz que temeu em não conseguir voltar a trabalhar, pois acreditava que como portador de defi ciência não teria espaço no mercado profi ssional. O jovem ainda cogitou a hipótese que
poderia se prejudicar na conclusão do ensino médio, já que tinha medo de sofrer preconceito na escola. “A solução para vencer todos os obstáculos foi acreditar mais em mim e ter fé em Deus para achar um caminho”, relembra.

Passados oito meses do acidente, Cláudio conseguiu a primeira prótese por meio da Organização das Voluntárias de Goiás (OVG). Porém, a ansiedade em retomar a vida de antes e voltar a ser “normal”, Cláudio resolve pular etapas do tratamento. Ignora a terapia, acreditando que só o fato de ter a prótese era sufi ciente para caminhar sem correr risco. “Achei que teria minha vida de volta, que voltaria a trabalhar na lavoura, mas não tinha locomoção. Caminhava cerca de 200 metros e sentia dor, pois a prótese me machucava. Tive que recorrer à ajuda de bengala e andadores para poder me
locomover com segurança”, detalha.

Após a fase de readaptação com a prótese, Cláudio logo foi atrás de emprego. A primeira experiência profi ssional foi como ceramista de vasos. Em seguida, em uma loja de produtos ortopédicos,
trabalhou primeiramente como offi ce-boy e depois aprendeu a profi ssão de ortesista. Seis anos depois, começou a trabalhar na Ortomédica, onde há nove anos atua inclusive como protesista. “Não
tive medo de ser feliz. Quem tiver que gostar de mim terá que me aceitar do jeito que sou”, afirma.

ESPORTE

Depois da amarga experiência, Cláudio fica sabendo por meio da Associação dos Deficientes de Goiás
(Adefego) que a instituição oferecia natação. “Não queria fi car parado. Estava na hora de me exercitar”, argumenta. Em 1995 começou a treinar natação. Por três anos ele competiu pela modalidade. Mas, no campeonato brasileiro paradesportista, realizado em Cuiabá, em 1998, onde se sagrou campeão na modalidade 50 metros livres — Cláudio encanta-se pelo futebol. De volta a Goiânia, abandona as piscinas e resolve junto com outros colegas a montar a primeira equipe de futebol do Estado. “Futebol está no sangue. Fez parte da minha infância. Mesmo na roça eu jogava bola”, comenta.

Atualmente, a equipe de Goiás é bi-campeã brasileira e juntamente com Cláudio, mais quatro atletas servem à seleção brasileira. O ex-agricultor já  participou de sete mundiais e é tetra campeão mundial pela camisa canarinho. “Em 2010, na Argentina, conquistamos pela primeira vez a Copa América
Paraesporto”, orgulha-se. Como gosta de esporte, Cláudio ainda tem gás para se dedicar ao ciclismo. 
 
Em 1998, depois de assistir uma competição nas ruas de Goiânia, o jogador de futebol se anima com a perspectiva de se tornar atleta sobre duas rodas. “Vi a prova, fi quei animado e resolvi comprar uma bicicleta para competir”, recorda-se. Há 12 anos, Cláudio tem conciliado o trabalho de protesista e de ortesista na Ortomédica (profissional que confecciona coletes, tutores, colar talas e outros matérias ortopédicos), com treinamentos para o ciclismo e treinos nos gramados.

Porém, apesar da vitalidade, o atleta lamenta do futebol não ser uma modalidade paraolímpica. Por falar no evento, o protesista esteve em Sidney, em 2000 e competiu pelo ciclismo. “Não tive bom resultados, nem fui classifi cado. Obtive apenas boa experiência”, comenta. Apesar do resultado insatisfatório, Cláudio não desanimou e mantém-se disciplinado com os treinos. Três vez por semana pedala cerca de 100 km nas rodovias goianas. Além dos treinos com a bicicleta, duas vezes por semana ele joga futebol, “com pessoas normais”, como define.

UNIÃO ESPORTIVA
A dedicação ao esporte tem dado lhe dado bons resultados. Em agosto deste ano, Cláudio participou do campeonato brasileiro de ciclismo em Brasília e ficou em segundo lugar na modalidade Prova
de Estrada. Perfeccionista, o atleta lamenta por seu rendimento não ter sido melhor. Faltando três voltas para o fi nal da prova, o pneu da bicicleta furou e Cláudio perdeu a primeira colocação.
Mas, não foram só a vida profi ssional e esportiva que lhe sorriu depois do acidente. Por meio da profissão de protesista, Cláudio conheceu o amor de sua vida. Há três anos é casado com
Jane dos Santos. Os dois se conheceram quando a estudante de fisioterapia encomendou uma prótese na Ortomédica. Um ano depois, aconteceram os primeiros encontros e por fim o casamento. A
união do casal fez com que Jane se animasse a competir. Graças ao incentivo de Cláudio, Jane tornou-se jogadora de volley sentado e integra a seleção brasileira da modalidade.

A parceria do casal é intensa que Cláudio diminui a quantidade de treinamento no ciclismo — antes era diário, agora são três vezes — para dar maior atenção à mulher que usa prótese femural. “Quem usa esse modelo tem um difi culdade de locomoção maior, porque o encaixe da prótese é feita na virilha, região sensível que costuma machucar com frequência”, explica. O para-atleta conta que diminuiu os treinos para que Jane pudesse se dedicar aos estudos e ao esporte com mais tranquilidade. “Ela é atleta de ponta. Então, fi co tranquilo em saber que ela pode levar uma vida mais calma e se sair bem nas competições”, conta.

Revista Ortopedia em Goiás, setembro de 2011.

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