quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A história da primeira TV de Goiás, que tinha uma só câmera e nome de rádio

Iúri Rincon Godinho

“Os senhores estão vendo a imagem da TV Rádio Clube em caráter experimental. Estaremos transmitindo a partir de amanhã, de forma definitiva.” Quando estas 22 palavras foram ao ar pela primeira vez, na voz do pioneiro radialista, publicitário (foi sócio da segunda agência de propaganda do Estado, a Cannes, de Zander Campos da Silva) e homem de televisão Juvenal de Barros, na noite de 6 de setembro de 1961, Goiás nunca mais seria o mesmo.

Ter as imagens e os sons dançando na sala da própria casa era um sonho para poucos naquele início dos anos 60. A TV Rádio Clube, que começava ali, fazia parte da rede de rádios, jornais e emissoras Diários Associados, de Assis Chateaubriand, da qual já pertenciam a Folha de Goiaz e a Rádio Clube, a primeira emissora da capital, fundada em 5 de julho de 1942, data do Batismo Cultural de Goiânia, tendo como um dos donos o primeiro prefeito, Venerando de Freitas Borges.

Como ninguém no Estado conhecia sobre televisão, o jeito foi nomear TV de rádio. Juntou tudo, virou TV Rádio Clube. Para se ter uma ideia do quase espanto com a nova emissora, basta imaginar que havia apenas sete cinemas em Goiânia, quatro no centro (Goiânia, Goiás, Casablanca e Santa Maria) e três em Campinas (Campinas, Eldorado e Avenida). Quem quisesse ver imagens em ação tinha de ir a um deles.

Entretanto, a primeira imagem na telinha que os goianos conheceram foi em alguma noite do ano de 1957 ou 58, com certeza na Avenida Anhanguera, onde funcionava a rádio do mesmo nome, pertencente à J. Câmara e Irmãos (em 2011, Organização Jaime Câmara), num prédio, alto para a época, de quatro andares. No primeiro funcionava a Lojas Riachuelo, no segundo um salão de bilhar, no terceiro a rádio e no último havia um auditório. A Anhanguera contratou uma equipe para levar ao ar um circuito fechado de TV. Durou apenas dois ou três dias, mas deixou os poucos telespectadores de queixo caído. Além de ser um aparelho futurístico, encantador por si só, as primeiras imagens mostravam umas moças bonitinhas desfilando em trajes colados em volta de uma piscina.

Apesar de ser um completo desconhecido, aquele meio de comunicação já estava maduro para nascer no cerrado goiano. O Estado tinha na época uma imprensa forte, composta pelos dois principais diários, Folha de Goiaz e O Popular. A primeira rádio quase completara 20 anos. Surgidas no final da década de 50, as agências de propaganda começavam a trazer novos clientes para a imprensa. A TV Tupi, a primeira do país, vivia adolescência, fundada em 18 de setembro de 1950. Apesar de televisão não ser um fato novo, os principais nomes que fizeram o veículo no Estado foram todos forjados no dia-a-dia, na tentativa e erro. Estes profissionais vieram principalmente do rádio, da imprensa escrita e, em quantidade bem menor, das poucas agências de propaganda da época.

A TV Rádio Clube deve muito de sua instalação a dois publicitários que se encantaram com o poder do televisão. Jeovah Baylão e Fued Naciff, da agência Baniff, participaram das primeiras tentativas de se popularizar o veículo em Goiás, em 1958, três anos antes da primeira emissora.

De olho no potencial financeiro do negócio, Baylão e Fued improvisaram alguns programas de auditório, já imaginando o tanto de comerciais que poderiam vender nesta nova linguagem que surgia. Nascido em 27 de março de 1932, em Varginha, Minas Gerais, Fued foi um dos principais responsáveis pela entrada da TV Rádio Clube no ar. Antes disso consagrara-se no rádio. Começou a carreira longe de uma emissora mas próximo ao microfone, ainda no serviço de rádio falante Marisa, que consistia em um altofalante dependurado em um poste na Praça Joaquim Lúcio, em Campinas. Passou pela Rádio Brasil Central e descobriu que corretando, vendendo anúncios, poderia fazer um dinheiro muito mais interessante do que o salário de radialista.

Enquanto esteve com Jeovah Baylão na Baniff e mais tarde sozinho, na Naciff, sempre foi um faz-tudo. Por exemplo, recortava letra por letra os jornais e revistas de fora (e depois colava) para produzir seus próprios anúncios, pois não havia como fazê-los no Estado. Se queria um jingle, tinha de viajar a São Paulo, até chegarem as primeiras produtoras goianas, nos anos 60. Em muitos períodos, a Naciff resumia-se a Fued e um office-boy.

Naquele início dos anos 60, o mundo em plena mudança, surge outro um personagem que seria fundamental para o nascimento da TV goiana, José Wanderley Schmaltz. Nascido em 19 de março de 1936, começou como porteiro da Rádio Anhanguera em 1950, depois indo para a Clube. Dentre outras funções, sua voz podia ser ouvida em toda Goiânia, já que prestou serviços como locutor de comerciais em carros de som que percorriam a cidade. Ele estaria envolvido desde as primeiras tentativas de transmissão do novo veículo, até a montagem, mais de 30 anos depois, de várias emissoras pelo interior do Estado, como diretor técnico da TV Anhanguera.

Mas isto ainda é futuro, pois em 1960 Wanderley era um jovem alto, magro e branco, lembrando um alemão, apesar da cabeleira morena, com 24 anos, ativo e interessado em tudo que acontecia. Pelo seu caminho cruzou um homem poderoso, Francisco Braga Sobrinho, representante em Goiás de Assis Chateaubriand, então o maior empresário de comunicação do país, com uma rede de jornais, rádios e TVs que se espalhava de Norte a Sul do Brasil. Coube a Braga Sobrinho a tarefa de abrir a primeira televisão dos Diários Associados, de Chatô, no Estado. Pertencia a este barão da imprensa simplesmente o segundo diário de Goiás (e líder de mercado na época), a Folha de Goiaz, e a Rádio Clube.

Nascido em Alagoas, Francisco Braga Sobrinho chegou a Goiás em 1941, um ano antes do Batismo Cultural e da criação da primeira rádio, a Clube, que ele comandaria no futuro. Delegado do IBGE, Francisco Braga Sobrinho viu a oportunidade de entrar para a imprensa goiana quando o representante de Chateaubriand em Goiás, o capixaba Theomar Jones, caiu em perdição no Estado. Uma nota no diário Folha de Goiaz fez com que ele, mesmo dono de jornal, levasse uma tremenda surra, que o deixou ferido, desmoralizado e com fama de moloide. Coisas da época.

Na tarde de 5 de setembro de 1953, enquanto esperava um ônibus em Jaraguá (GO), onde passara a advogar, Braga Sobrinho foi abordado por um representante dos Diários Associados. Assis Chateaubriand, certamente não conhecia ou não acreditava em ninguém no Estado. Mas conhecia um irmão de Francisco, que morava no Nordeste. Isto certamente pesou para que o mais proeminente homem de comunicação da década de 60 convidasse Francisco para tomar conta da Folha de Goiaz e da Rádio Clube de Goiânia.

Trabalhar para o dono da TV Tupi, imaginou Braga Sobrinho, acarretaria, pela ordem natural das coisas, na criação de uma estação de televisão em Goiás. E isso realmente aconteceu. O primeiro incentivo que teve para a instalação de uma emissora de TV veio com uma visita do diretor geral dos Diários Associados, João Calmon, também senador. Francisco o acompanhou a Brasília em 1958 (a capital da República ainda em construção), para estudar o local onde se instalaria a futura torre de transmissão dos Associados. O projeto inicial consistia em fincar o pé lá e estender a linha até Goiânia, mas faltou dinheiro.

De seu lado, Wanderley Schmaltz vibrou com a ideia de criar uma estação goiana. Depois das transmissões experimentais de 58 ele foi um dos que trabalharam para transmitir a inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. Conseguiram um link (ligação) entre a capital federal e Goiás, que funcionou por alguns poucos minutos e ninguém viu, já que ninguém possuía aparelho de TV. Serviu como uma espécie de estágio de luxo, já que Braga Sobrinho chegou até a montar um estúdio improvisado no jornal Folha de Goiaz.
A câmera que veio emprestada do Rio de Janeiro, uma Dumont (ainda chegaram um transmissor e uma antena), virou atração turística na cidade por uma semana. O impacto foi tamanho que Braga Sobrinho simplesmente protelava a devolução do material ao seu local de origem.

Este equipamento serviu também como garota-propaganda da ideia de se levantar dinheiro para colocar a TV Rádio Clube de pé. Quando souberam que haveria um canal de televisão que poderia ficar à disposição de Goiás, os publicitários Fued Naciff e Jeovah Baylão tiveram uma ideia. Juntaram-se a Ribamar Leite e passaram a vender ações do novo veículo, ainda em 1960, já que Braga Sobrinho precisava do dinheiro para trazer a futura televisão de Brasília para Goiânia. Só que isso nunca funcionou. Os dois publicitários prometiam que os compradores seriam sócios da emissora, que já virara uma mina de dinheiro nos Estados Unidos. Quase não deu para quem quis.

Um detalhe atrapalhou a vida dos três e criou um escândalo naquele início da década de 60. Como a concessão do canal é, ainda em 2011, um ato unilateral do governo federal, o primeiro canal de TV de Goiás jamais passou pelas mãos dos “acionistas”. Afinal, o dono da futura TV Rádio Clube seria Assis Chateaubriand. Com negócios prósperos em todo o Brasil, não precisaria do dinheiro dos goianos para montar nada. Verdade seja restaurada, os três “vendedores” até tentaram recolher a documentação de todos os que investiram para formar uma sociedade anônima e serem donos de um canal. Não fosse aquele, qualquer outro no futuro. Mas certas coisas parecem nunca mudar. Como no século XXI, a burocracia já se transformara numa erva daninha do serviço público. A documentação para abrir uma TV exigia um xadrez de participação política e uma série interminável de documentos e carimbos. A S.A. (Sociedade Anônima) jamais saiu do papel, mesmo porque alguns compradores nem moravam mais em Goiânia ou já haviam falecido durante o processo.

Braga Sobrinho, de seu lado, esperava a vez de colocar a primeira estação de televisão no ar. Inteligente e ousado, usando certamente de seu poder como representante dos Diários Associados, protelava a devolução da câmera Dumont, do transmissor e da antena que estavam em Goiânia. Não a devolveria nunca e esta câmera seria a primeira (e por algum tempo única) da TV goiana. Além de tudo, Braga sabia que a TV Tupi, já num ciclo de prosperidade, trocara transmissores, câmeras e até as mesas e cadeiras. Uma camerazinha não faria falta.

No início da década de 60 já havia um técnico trabalhando em Goiás, Alcerino Sorocinni, o qual jamais atendia pelo nome. Preferia o apelido: Bigode. Deve ter sido o primeiro homem de TV em Goiás, junto com o engenheiro que dava instruções sobre como trazer a linha de transmissão de Brasília, Jean Paul. Os retransmissores seriam fabricados pela Maxwell. O transmissor veio de
Luziânia, que estava abandonado esperando um link (ligação) com Belo Horizonte.
Sabendo que o momento da fundação da emissora estava cada vez mais próximo, Braga Sobrinho se mexia. O prédio onde funcionavam a Folha de Goiaz e a Rádio Clube sofreu com os preparativos para a TV. O auditório da rádio foi um dos primeiros a ser tomado. Outras dependências tiveram de ser espremidas em uma salinha entre os longplays (discos de vinil) da discoteca.
Wanderley Schmaltz, já contratado dos Diários Associados, foi mandado para Belo Horizonte aprender broadcast. Traduzindo: transmissão de TV. Como os Associados eram a Rede Globo do período, tinham até escola que ensinava sobre transmissores, câmeras, etc. Na capital mineira, Schmaltz estudava 10 horas por dia, vindo uma vez por mês a Goiás. Dava tão duro que teve tempo de participar do projeto da montagem da TV Alterosa, segunda emissora de Minas Gerais.

Em Goiás, depois de 20 anos de rádio, o publicitário Fued Naciff aceitou um novo desafio: conseguir o dinheiro necessário para adquirir os equipamentos que faltavam da primeira televisão goiana. Passou a sacolinha entre os anunciantes da Rádio Clube e da Folha de Goiaz, seduzindo-os com a maravilha que seria este novo veículo que, diga-se de passagem, ninguém conhecia. Quando muito, haviam ouvido falar. Com um detalhe assustador: como a TV não estava no ar, ele precisaria de todos os valores adiantados.

O fato de ter vendido ações de uma estação que nunca existiria de fato, não o atrapalhou, mesmo porque todos viram seu esforço em resolver a situação. Pela credibilidade de sua agência de propaganda, a Baniff, e sua própria, o negócio acabou dando certo. Fued conquistava as empresas que seriam as primeiras anunciantes do novo veículo de comunicação. Sem participação do governo (comum em 2011), conseguiu arrecadar o necessário, em especial pela ajuda de seu maior cliente, a General Novilar, de Joaquim José da Motta. Sozinha, a empresa arcou com praticamente todo o custo da instalação da TV Rádio Clube.

A General Novilar marcou época não somente por isso. Quando Fued propôs o negócio, a loja já era para Goiás o que as Casas Bahia são neste início de século XXI para o Brasil. Foi a primeira a vender a prestação, na ocasião conhecida como crediário. Acabou também com lojas tradicionais do comércio, como a Casa Alencastro Veiga, o único ponto iluminado da capital durante a Segunda Guerra Mundial, quando estava em curso o racionamento de energia.

O proprietário da Novilar, Joaquim José da Motta, esvaziou com vontade os bolsos, de olho nos aparelhos de televisão já devidamente estocados em seu depósito. Joaquim segurava a ansiedade, pois em 1961 havia comprado 100 unidades, esperando a entrada da primeira emissora no ar, o que só aconteceria em setembro. Todos os aparelhos com som mono e imagem em preto e branco cheia de chuviscos, que os moleques apelidavam de “guerra no planeta dos mosquitos”. Não importava. Era o máximo.

Com o dinheiro na mão, os responsáveis pela nova emissora compraram no Rio de Janeiro parte da sucata que sobrara da suntuosa reforma da TV Tupi. Não se sabe se Francisco Braga Sobrinho pagou o equipamento que já estava em Goiânia. Mas o que deu para trazer de relevante foi um transmissor velho de curto alcance, do tamanho de um navio.

A TV Rádio Clube começou a funcionar em setembro de 1961, embora clandestinamente, sem os papéis necessários. Tanto que, no depoimento de quem viveu o calor daqueles acontecimentos, Carlos de Souza, no livro de 1980 Imprensa Goiana – Depoimentos para a sua História, a primeira televisão a funcionar conforme manda a lei foi a Anhanguera, quase dois anos depois, e não a Rádio Clube, que só seria oficializada após a entrada no ar do canal dos Câmara.

A hospedagem do canal da primeira televisão goiana é um mistério. A única certeza é de que nem sempre a atual TV Record ocupou o 4, como é em 2011. Segundo Luiz de Carvalho, um dos pioneiros que esteve lá desde o primeiro dia, inicialmente as imagens ficavam no 7, mais tarde migrou para o 9 e em seguida para o 4. Tudo em 1961. Pode ser que tenha ocupado também o 3, como afirma outro pioneiro, o publicitário e segundo cameraman de Goiás, Euclides Neri, o que é corroborado pelas imagens obtidas para este livro, com um grande 3 estampado na câmera. Mas talvez seja porque este número tenha vindo já pintado do Rio de Janeiro, onde a máquina foi adquirida. Já Wanderley Schmaltz se lembra que a emissora primeiro utilizou por 15 dias o canal 9, apenas com o som da Rádio Clube. Depois passou direto para o canal 4.
Em 2011, qualquer programinha, por mais simples que seja, em estúdio, usa no mínimo três câmeras. Esta filha única que veio parar em Goiás, gasta, foi usada para gerar toda a programação da TV Rádio Clube. Só ela e o transmissor.

Funcionava assim: o publicitário e radialista Cunha Júnior, egresso da rádio, tinha de apresentar um telejornal. Ficava atrás de uma mesa escura e simples, repleta de papéis, sentado numa cadeira dura, seus olhos se revezando entre ler as notícias em uma folha e a única câmera. Para o telespectador não dormir, a equipe colava algumas fotografias ou desenhos na parte de trás do cenário (também tosco) e a câmera ficava indo e voltando: Cunha-fotos, fotos-Cunha. Alguns entrevistados disseram que havia queixas de pessoas tontas com aquele balanço de imagens.

Para transmitir filmes, um projetor jogava a imagem na parede e a câmera a filmava e transmitia para as casas. Os técnicos eram ousados, o que chamaríamos em 2011 de irresponsáveis. Com a programação no ar, surgia um locutor com a voz empostada (que trouxe do rádio), sorriso de orelha a orelha, anunciando:
_ Senhoras e senhores, ficaremos fora do ar por alguns minutos porque vamos transmitir um sensacional jogo de futebol.
Com só uma câmera, eles apagavam a imagem, desligavam os fios, saíam com a câmera, entravam no carro (ou a carregavam nas costas), corriam para o Estádio Olímpico (idiotamente destruído mais tarde pelo governo de Goiás) e ligavam tudo novamente. O telespectador que esperasse o tempo do transporte.

Quando precisou de um nome para dirigir a primeira equipe técnica da televisão goiana, Braga Sobrinho ligou para o Rio de Janeiro. Aqui não havia ninguém gabaritado para o serviço. Mas qual não foi sua surpresa quando, da direção dos Diários Associados, lhe foi informado que um dos primeiros diretores do novo veículo estava justamente em Goiânia. Seu nome, Ascendino de Souza Ferreira Filho. Com um nome desses ficou conhecido como Carlos de Souza. Nascido em Niterói (RJ) em 1928, assumiu o pomposo cargo de assistente de direção do rádio-teatro da Rádio Clube até a primeira emissora ir para o ar. Mais tarde, na década de 80, Carlos de Souza voltou a fazer sucesso na TV, quando assumiu o papel de “o homem da gravata branca”, um policial que ia ao ar pela então TV Goiá e foi precursor dos que viriam no século XXI, como o Chumbo Grosso, da TV Goiânia.

Podia ser improvisada, mas a televisão transmitia também os primeiros sinais de que seria forte. Nos dias seguintes àquela mensagem de Juvenal de Barros anunciando pela primeira vez a entrada em operação da TV Rádio Clube, em setembro de 1961, as lojas General Novilar esgotaram seu estoque de aparelhos de televisão. A aposta de Fued Naciff deu tão certo que ele apresentou um programa chamado com justiça de General Novilar Comanda o Espetáculo. Em um depoimento na década de 90, ele afirmou que esta foi a primeira atração ao vivo da TV, o que é difícil de provar, já que tudo era ao vivo e não há cópia de nenhum desses pioneiros na telinha.

Com o cliente satisfeito, a agência Naciff coordenava o programa semanal das sete da noite até as 22h30. Podia se estender até as 23 horas, já que não havia grade fixa de programação e ninguém se chateava por ter 10 ou 20 minutos a mais ou a menos de TV. Num auditório apertado, herança dos tempos de rádio, Fued aparecia ao vivo, sem o direito de errar (porque não havia como consertar), sorteando prêmios, animando jogos, apresentando cantores. Destes momentos de pioneirismo não restaram imagens.

Em pouco tempo, Fued montou um time de belíssimas garotas-propaganda, mocinhas sempre no que se convencionou chamar de flor da idade, que decoravam e diziam os textos dos comerciais. Para ocupar esta função, a menina tinha, lógico, de ser linda. Depois vinham as outras qualidades: ter um bom nível cultural, ser desinibida, um mínimo de intimidade com a câmera. Se aprovadas, tinham aulas de postura, empostação de voz e ensaiavam. Nada muito profissional, mas com um mínimo de técnica.

Num mundo sem videotape (a imagem gravada), tudo, como no rádio, tinha de ser feito na hora. Uma vez, ao apresentar a modernidade de uma geladeira da General Novilar, o apresentador (provavelmente o próprio Fued) se viu numa enrascada:
_ Venham ver a revolução, senhoras e senhores. Com um simples toque de pé é possível abrir a geladeira, mesmo se a senhora ou o senhor estiver com ambas as mãos ocupadas — narrava.
Mas o eletrodoméstico não abriu. Um funcionário esquecera de tirar o madeiramento por baixo da embalagem, que prendia a porta. O jeito (único) era disfarçar, mudar de assunto e torcer para o cliente não ter um ataque cardíaco.

Fosse pela televisão, fosse pelo seu trabalho como grande anunciante, a General Novilar chegou a ter 17 lojas, vendeu ações na Bolsa de Valores de São Paulo e ainda figurou na lista das 50 maiores empresas do Brasil da revista Exame. Tão alto voou que faliu espetacularmente nos anos 70.

A TV Rádio Clube levava sua vida de pioneira e levou também outro que viria a ser um grande nome na comunicação: Euclides Neri, que nunca pensou que sua vida fosse cruzar com nada que se parecesse com TV. Ele nasceu de parteira, na casa da família em Goiânia, em 1º de setembro de 1945, dia da rendição oficial das tropas japonesas aos aliados, um ato mais de propaganda que encerrou oficialmente a Segunda Guerra Mundial (o Eixo já havia perdido há meses a guerra, Berlim estava dominada pelos russos e as bombas atômicas haviam varrido duas cidades japonesas do mapa).

Curioso por natureza, uma alma de inventor, Euclides levava uma vida tranquila como estudante do ensino médio do Lyceu de Goiânia quando um amigo, Carlos Machado, o arrastou dois quarteirões para conhecer o estúdio da TV Rádio Clube. Um dia, em 1962, logo após a aula, ele entrou no mundo da comunicação e caiu de amores pela única câmera da emissora. Sempre gostou mais da máquina do que da imagem, só que até ali não sabia. Wanderley Schmaltz foi quem atendeu ao magrelo e encantado Euclides, que não conseguia tirar o olho daquela máquina capaz de levar a imagem até a casa das pessoas. Com menos de dois minutos de conversa, Neri arrumou coragem e disparou:
_ Tem um lugar para mim aqui?
Schmaltz gostou da ousadia do rapaz, que de televisão não entendia nem de assistir:
_ Temos um cameraman, Gregório Camargo. Mas vai mexendo aí.
Não falou em salário, não prometeu emprego, nada. Não importava. Euclides tinha acabado de se apaixonar.

Gregório Camargo, o primeiro cameraman da TV goiana, foi o grande professor de Neri e só fez aumentar sua paixão. Mexe daqui, mexe dali, Euclides passou a ir diariamente à emissora. Chegava depois do Lyceu, pouco antes de seis da tarde, quando a programação começava. Ficava até terminar, às 11 da noite. Viu nascer ali, na sua frente e pelas suas mãos, a idade adulta da propaganda goiana. Ele colocou os primeiros anúncios no ar e sentiu a força daquele novo veículo, que levava os produtos, sem pedir licença, para dentro das casas de Goiânia.

Comparada ao século XXI, o início da TV foi ridículo até para passar filmes que vinham prontos do exterior — leia-se Estados Unidos. Um projetor jogava as imagens na parede e a única câmera filmava tudo, transmitindo seriados como Os Intocáveis e Bonanza. Para a propaganda, o sistema também era risível. Enquanto um locutor lia o comercial (também podia ser um jingle), ao vivo, a câmera filmava grandes cartolinas, trocadas de acordo com o texto. Estas imensas cartelas eram afixadas por uma espécie também gigante de espiral, como os de cadernos escolares.

Os publicitários trataram logo de vender a programação. Todos os programas tinham o seu patrocinador. O primeiro jornal da TV Rádio Clube, lido por Willy Luiz em dupla com Cunha Júnior e posteriormente Ariel Stenius, possuía o seu. Idem para o Diário de um Repórter, com texto de David Nasser, da revista O Cruzeiro, lido por um apresentador local, Luís Carlos, que fez bastante sucesso. Com tudo ao vivo e de improviso, às vezes se incorria em erros que não podiam ser consertados. Com o Diário de um Repórter aconteceu uma dessas histórias. O cenário de papelão, fixado por finos pedaços de madeira e pregados com grampeador, desabou no apresentador, rasgou e ficou enfiado na sua cabeça. Não havia como interromper, nada existia para colocar no ar. O jeito foi seguir com o texto até o fim naquela situação ridícula.

Foi a TV Rádio Clube que introduziu em Goiás o tataravô das novelas: o teleteatro, que já era filho do rádio-teatro. Para isso contribuiu a maior atriz da história de Goiás, Cici Pinheiro. O que faltava de atributos físicos para Floraci Alves Pinheiro sobrava em talento. E em braveza. Nascida em Orizona (GO), no dia 5 de junho de 1930, Cici não demorou nadinha para virar diretora artística, locutora, apresentadora de programa e, mais tarde, produtora da novela pioneira da TV goiana, A Família Brodie.

A seriedade e rapidez com que trabalhava também a levaram para a Tupi de São Paulo e à rainha de todas as rádios, a Nacional, também na capital paulista. Em Goiás produziu para a primeira estação de televisão o teleteatro Do Outro Lado que, o nome já entrega, tinha temática espírita. Por ser ao vivo, ninguém podia errar. Ou podia, porque ia para as casas assim mesmo.

2 comentários:

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  2. PASSEI POR GOIANIA EM 1964 LEMBRO QUE TINHA SO UMA CAMERA. PARTICIPEI DO PROGRAMA SILVIO MEDEIROS EM 1965, NAS NOITES DE DOMINGOS COM SUA ESPOSA NORMA.FIZ QUADRO HUMORÍSTICO.....MUITO RUDIMENTAR TUDO. DURANTE A SEMANA TINHA PROGRAMAS DE CANTORES, APARECIDA AMORIM,JOSAFA NASCIMENTO,NEILA......Ñ LEMBRO SOBRENOME.EM 1965 ESSES CANTORES GOIANOS FORAM A SÃO PAULO E GRAVARAM UM LP.

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