terça-feira, 7 de junho de 2011

Serviço público de saúde está na UTI sem previsão de alta

O pediatra clínico João Serafim atende em um Cais de Goiânia e conhece as entidades públicas de saúde desde a faculdade, há 31 anos. Ele afirma que, de lá para cá, houve uma grande piora. “A demanda cresceu, o poder aquisitivo da população diminuiu, tornando as pessoas mais dependentes tanto da saúde quanto da educação. No entanto, o poder público ignora que ambos "são direitos de todos e deveres do Estado, como está previsto na Constituição”, desabafa o pediatra.

O clínico Eduardo Santana iniciou sua carreira na rede pública em Uberlândia (MG), em 1985, e atua em Cais de Goiânia desde 1987, como concursado. “Observo uma grande dificuldade para o exercício ético da medicina com alguns espasmos de melhoria, que sempre têm sido suplantados por perda da qualidade nas condições de trabalho”, considera.

Eduardo, que é ainda secretário de Relações Trabalhistas do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego) e 2º vice-presidente da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), já tendo, inclusive, presidido as duas entidades, diz que as deficiências no serviço público se iniciam pela precarização das relações de trabalho. “Um número significativo de colegas não têm vínculo empregatício definido, são submetidos a jornadas extenuantes, somadas a demandas de atendimento nas quais a ética da atenção fica sempre questionada”, avalia. “Além disso, os modelos de gestão não nos valorizam e não possibilitam nosso crescimento funcional ou técnico-científico. Falta de educação continuada, perspectiva de carreira e a instabilidade dos vínculos levam muitos a abandonarem o trabalho”, completa.

Eduardo fala ainda sobre os locais de trabalho, frisando que a maioria não têm a adequação ideal para um bom atendimento. João Serafim vai além, argumentando que as unidades públicas carecem da atenção da Vigilância Sanitária e do Ministério do Trabalho, que deveriam zelar pelas condições de higiene e pelo cumprimento das Normas Regulamentadoras (NR) para a atenção dos trabalhadores da saúde. “Não se observam as condições ergonômicas, nem a qualidade mínima necessária. Além disso, a NR 32, voltada para a proteção daqueles que laboram em meios insalubres, especialmente os trabalhadores da saúde, diretamente expostos aos riscos químicos e biológicos, não é obedecida”, critica. Serafim reclama da falta de atenção do poder público que, no entanto, administra as arrecadações dos impostos que a população paga para ter educação e saúde de qualidade.

EXPULSOS DO SETOR PÚBLICO
Serafim informa que a carga horária dos médicos em Cais e postos de saúde varia de 20 a 40 horas semanais, dependendo do contrato com a Secretaria Municipal de Saúde, e que, no entanto, a administração não está preocupada com a qualidade do atendimento, e sim com o número de atendidos. “Em um bom atendimento, o profissional deve ter condições de trabalho e meios diagnósticos para permitir resoluções para aqueles que nos procuram, assim como reciclagens científicas nos congressos e cursos de aperfeiçoamentos”, considera. Acrescenta que o salário não é suficiente para assegurar condições dignas de vida e educação das famílias, e para que o trabalhador possa se dedicar à saúde do próximo.

Eduardo Santana frisa que os baixos salários têm levado colegas a jornadas múltiplas, fazendo com que percam de maneira sensível a qualidade de vida e dos procedimentos, facilitando o aparecimento do erro médico. “Com carga horária inicial de 20 horas semanais, atrelada a baixos salários, a maioria é levada a vários empregos, chegando a jornadas médias de 60 horas, muito acima da preconizada pela CLT, ou até mesmo a jornadas ininterruptas de 12 a 24 horas, alguns de 36 a 48 horas, contrapondo a todo e qualquer bom senso”, ressalta.

Segundo Eduardo, existem concursados, que não estão mais em início de carreira, que recebem apenas dois salários mínimos por 20 horas de trabalho semanais. “A somatória da falta de condições, precarização das relações de trabalho e salários aviltantes contribui enormemente para a desqualificação e, posso até mesmo dizer, expulsão do médico do serviço público”, reitera.

Alternativas
Para melhorar as condições de trabalho e, consequentemente, o atendimento médico, João Serafim diz que o primeiro passo é promover melhoria da infraestrutura, por meio de reformas. Ele aconselha ainda que sejam feitos investimentos na aquisição de meios diagnósticos adequados, assim como capacitação dos profissionais, por cursos de reciclagem e educação continuada. “A administração deve-se preocupar com a resolução dos problemas de saúde pública, não com o número de atendimentos prestados. É necessário promover concursos compatíveis com a demanda. E a remuneração precisa ser condizente com a responsabilidade do trabalho”, enumera.

Eduardo Santana avalia que, quando se fala em atendimento nos Cais e postos de saúde, há a necessidade de uma ampla mudança nas políticas públicas em todo o Estado, com o fortalecimento de um modelo de gestão onde o governo assuma suas responsabilidades, excluindo a possibilidade da presença de atravessadores; e uma política de controle social fortalecida por uma ampla participação da sociedade civil organizada. “Dentre essas mudanças, uma delas, se não a mais importante, é que saúde deve deixar de ser uma política de governo para ser uma política de Estado, com todas as suas consequências. Só assim a vida dos que precisam de nossos serviços e dos que trabalham será melhor respeitada”, afirma.

Ele diz ainda que há necessidade urgente de uma estratégia de financiamento capaz de oferecer profissionais e serviços à sociedade, conforme sua necessidades. “Uma política de recursos humanos centrada no acesso único por concurso público, disponibilizando médicos e não médicos em qualidade e quantidade conforme à necessidade dos usuários”.

Quanto à remuneração, Eduardo frisa que o valor proposto pela Fenam em 2011 é de R$ 9.188,22, para 20 horas semanais, associado a um Plano de Cargos Carreiras e Vencimentos (PCCV). “Precisamos disso para assegurar crescimento profissional e para que seja um instrumento de gestão que possa qualificar a assistência à saúde e o fim das jornadas com demandas abusivas, tanto para os profissionais quanto para os pacientes”, apregoa.

Eduardo garante que o Simego e a Fenam, bem como os demais sindicatos de médicos e demais entidades da súde têm assumido um papel de vanguarda na defesa dos interesses dos profissionais e da população, denunciando a perda da qualidade da atenção e apontando soluções, bem como organizando e coordenando ações juntos aos gestores para mudança dessas realidades. “Com uma pauta comum temos procurado fazer da luta nacional dos médicos a luta dos goianos e vice-versa. Lutamos pelo piso salarial da Fenam, em defesa da carreira de Estado do médico, pela implantação de um PCCV que se referencie no proposto pela Fenam e construído com a participação desta e da Fundação Getúlio Vargas, pelo fim dos contratos precarizantes e em defesa do concurso público em todos os níveis, bem como na mudança das condições de trabalho, da segurança e pelo fim das situações de assédio moral a que os colegas são submetidos ao serem colocados para trabalhar em condições antiéticas”, finaliza.

Revista Medicina em Goiás, maio de 2011

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