O desembargador Itaney Francisco Campos lança, no dia 30 de março, o livro “Antônio Theodoro da Silva Neiva: um escorço biográfico”. Professor, juiz, historiador, geógrafo, e antropólogo, Neiva foi ainda, segundo seu biógrafo, “um homem de cultura enciclopédica, desses que se fazem cada vez mais raros, aliado a um temperamento discreto, de uma simplicidade tocante e uma modéstia exemplar”.
Publicado pela Gráfica e Editora Bandeirante e custeado pelo próprio autor o livro tem na capa o trabalho de sua filha, a designer industrial Ana Laura Machado Golçalves Campos, que mora atualmente em Hamburgo, na Alemanha, onde se especializa em design gráfico.
Como surgiu o interesse do senhor pela vida do professor Antônio Neiva?
Interessei-me pelo Prof. Neiva desde que o conheci, por volta de 1973, quando me inscrevi no curso de Letras Vernáculas, na Universidade Federal de Goiás (UFG), onde ele lecionava Antropologia Social. Professor amável, simples, de grande cultura, ainda historiador, apresentei-lhe os rascunhos de um estudo sobre a história de Uruaçu, minha terra natal. Ele leu e fez comentários oportunos, que procurei observar a retomar a elaboração do trabalho. No entanto, não cheguei a publicar esse estudo. Posteriormente, vim a conhecer a maravilhosa biblioteca particular do Prof. Neiva, com um acervo extraordinário de livros da cultura humanística e jurídica, talvez a melhor biblioteca particular do Estado, que veio a ser adquirida, após a morte do professor, pela Faculdade Anhanguera, desta capital. Por fim, coincidiu de ser ele o patrono da cadeira n°. 40, que ocupo na Acad. Daí, resolvi elaborar esse trabalho biográfico, em homenagem ao professor, juiz, historiador, geógrafo, antropólogo, enfim, um grande intelectual "goianeiro", oriundo de Paracatu mas que passou a maior parte de sua vida em Goiás, pesquisando, lecionando e exercendo a judicatura. Aqui se casou, teve filhos, faleceu e foi sepultado.
Como fez as pesquisas? Como foi o processo de produção?
A pesquisa estendeu-se por vários meses, ao mesmo tempo em que já iniciava a redação da monografia, pesquisando na internet, entrevistando a Sra. Maria Augusta, uma das filhas do Prof. Neiva, que me possibilitou ter acesso ao arquivo de fotografias da família, a cartas do seu círculo íntimo, enfim, a informações variadas sobre o professor. Ademais disso, pesquisei sobre a história de Paracatu e a família Neiva, em sites daquela cidade e do governo de Minas Gerais. Entrevistei inclusive velhos amigos do professor e obtive notícias sobre sua vida funcional no Tribunal de Justiça e no site da UFG.
Que características do biografado mais lhe despertaram interesse?
O seu profundo interesse cultural. Era um homem de cultura enciclopédica, desses que se fazem cada vez mais raros, aliado a um temperamento discreto, de uma simplicidade tocante e uma modéstia exemplar. Seu amor pela condição humana extravasa dos seus escritos, ou do seu principal trabalho escrito que é o monumental estudo sobre a antropologia goiana, retratado na obra “Introdução à Antropologia Goiana”, iniciado em 1986, com 1735 páginas.
Qual a importância de Antônio Neiva para o direito goiano?
O Prof. Neiva foi um juiz extremamente ético, correto, discreto. Sua atuação na Judicatura foi, de certa forma, sem maiores repercussões, inclusive em vista do seu temperamento introvertido, avesso à publicidade e estrépitos. Parece que não atuou por mais de 20 anos na magistratura, mas prestou inestimável contribuição nas Varas Cíveis e da Fazenda Pública Municipal, desta capital. Seu grande marco, porém, está na atividade de antropólogo, inclusive porque foi um dos criadores do Instituto de Antropologia da UFG, e no magistério, porque praticamente criou a cadeira de antropologia em Goiás.
O senhor já publicou outros livros. Como é conciliar a carreira de desembargador com a de escritor?
Publiquei, pela Prefeitura de Goiânia, o “Inventário do Abstrato”, um livro de poemas, já em segunda tiragem, atualizado e aumentado. E ainda “Notícias históricas do Bairro de Campinas”, um opúsculo publicado também pela prefeitura. Participei das coletâneas “Verbo interior” e “Thêmis translúcida”, publicadas pela Prefeitura de Uruaçu e pela Associação dos Magistrados (Asmego). Não é fácil conciliar essas atividades porque a judicatura tender a absorver o seu exercente. Analisar e julgar ou rejulgar processos não é tarefa fácil, sobretudo se se considera que estamos lidando com vidas humanas, contribuindo para sua desgraça ou superação pessoal. Estamos todo o tempo no Tribunal, em sessões, reuniões, comissões etc. Mas à noite, em casa, tento vestir a toga da poesia, se é que há alguma...procuro trabalhar em textos literários, e ler literatura.
Existe projeto de algum outro livro a caminho?
Estou trabalhando no projeto de um livro de poemas, versando em torno do temário jurídico, ou seja, uma reflexão sobre os fenômenos do homicídio, do roubo, do processo, da sentença e da própria função de julgar. Não é fácil, porque esse temário tende a nos levar para a má poesia. A poesia funcional, burocrática e sem brilho. Naturalmente, há que se extrapolar a visão meramente jurídica desses fenômenos vinculados ao crime, à punição, ao julgamento e julgador, inserindo-os no grande painel da condição humana, cultural e cosmogônica, dando-lhes uma dimensão atemporal, de sorte a se impregnar os textos da transfiguração poética. Nada fácil, portanto. Mas, por isso mesmo, bastante instigante.
Revista da Academia Goiana de Direito, março de 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário