sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Uso correto do computador e vídeo game por crianças e adolescentes

Por Ana Paula Vecchi | Doutora em Ciências médicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM/USP) e Reumatologista Pediatra pela FM/USP. Reumatologista Pediatra do Hospital da Criança e do Hospital Materno Infantil

Os computadores estão presentes atualmente na maioria das escolas de classes média e alta e inclusive nas salas de aula das redes públicas estadual e municipal de algumas cidades brasileiras. Não só os computadores, como os vídeo games, incluindo os de bolso, são uma realidade na casa da maioria das pessoas. Impossível, hoje, uma criança crescer sem o uso dessa tecnologia. Sem dúvida, o mundo digital traz uma série de vantagens, como exercitar a investigação da criança, estimulando o gosto pela pesquisa e ajudando o seu desenvovimento intelectual no que se refere às dimensões psicomotoras, cognitiva e afetivas (BARROS, C. M, 1999). Porém o seu uso excessivo pode ser prejudicial? Pacientes adultos, que trabalham com o computador, principalmente na digitação, desenvolvem, com uma certa frequência, tenossinovite, uma espécie de inflamação dos tendões das mãos. Mas, e as crianças, também estão sujeitas ao desenvolvimento dessas lesões?

As crianças e os adolescentes deveriam permanecer no máximo duas horas ao dia em frente aos computadores e vídeo games, lembrando que a pausa de 10 minutos a cada hora de uso é fundamental. E em caso de dores e lesões músculo-esqueléticas, estes devem ser prontamente retirados. É preciso saber que existe uma grande diferença entre dor e lesão. Muitas vezes crianças e adultos podem apresentar dores sem significado de dano físico, que portanto não traduzem doença, processo inflamatório, ou lesão. A dor músculoesquelética é multifatorial, ou seja, vários são os fatores que corroboram para o seu surgimento, como sedentarismo, postura inadequada frente aos computadores, obesidade e fatores emocionais. O uso de computadores e videogames está bastante associada a dores músculoesqueléticas, mas nem sempre associado a lesão propriamente dita.

Um dos primeiros estudos que avaliaram os efeitos do uso de computadores em crianças e adolescentes, publicado em 1997 por TAZAWA, demonstrou que estes pacientes apresentaram dores recorrentes, fadiga importante e hipertonia do músculo trapézio, principalmente no lado contra-lateral da mão dominante. O uso do computador foi de 1 a 4 horas/dia (média de 1,6 horas/dia). Os sinais e sintomas regrediram com a retirada dos computadores.

Um grande estudo nacional desenvolvido pela Faculdade de Medicina da USP (ZAPATA, 2006) avaliou 791 crianças e adolescentes, entre 10 e 18 anos, quanto ao uso de computadores e vídeo games. O computador foi utilizado por 99% dos alunos, 58% utilizaram vídeos game e 30% minigame/gameboy. Todos tinham posturas inadequadas frente aos computadores, com possibilidade de dores e síndromes músculoesqueléticas.

Quase a metade dessas crianças (40%) queixavam-se de dores musculoesqueléticas, 23% a localizavam na coluna, 9% nos membros superiores e 4 % no corpo todo. Apesar disto, após a análise estatística, essas dores não puderam ser atribuídas ao uso do computador. Sabemos que quanto maior o tempo em frente a TV ou utilizando o computador, maior a probabilidade do aparecimento de dores no corpo: na coluna, nos braços, pernas e até na cabeça. Existe uma maior frequência de dores nos pacientes do sexo feminino e nas crianças mais velhas. Nas crianças menores a dor tende a ser generalizada, enquanto que nos pré-adolescentes e adolescentes tendem a ser nas mãos, região cervical e lombar. Vale ressaltar que, quanto mais ativa é a criança, quanto mais frequente é a prática esportiva, menor é a frequência de dores.

Os jogos virtuais que simulam os movimentos reais seriam mais indicados, porque reduziriam o fator sedentarismo, também associado a dor. O uso de games de mão poderiam estar mais relacionados a dor das mãos, sobretudo dos polegares. O computador de mesa parece estar menos relacionado a dor que o notebook, talvez por proporcionar uma melhor ergonomia, postura frente ao manuseio do computador.

Devemos nos lembrar de outros problemas que podem surgir com o uso excessivo dos computadores e vídeo games por crianças e adolescentes como diminuição da atividade física e prática de esportes, obesidade, dor torácica, dor abdominal, fadiga, anorexia, ansiedade, cefaleia e comportamentos agressivos. Vale dizer que a LER (Lesão por Esforço Repetitivo) tão comum nos adultos que trabalham horas no computador, não foi identificada em crianças, talvez porque a criança utiliza o computador e o game como diversão e por menor tempo que o adulto.

Prevenção e tratamento
A maior parte destas lesões tem cura e são reversíveis.  Orientamos o repouso com retirada ou redução à exposição do fator desencadeante, com utilização da ergonomia adequada e prescrevemos analgésicos. Mas a grande questão é a prevenção das lesões, particularmente no adolescente em regime de trabalho, é a utilização da ergonomia adequada com flexibilidade corporal (exercícios de alongamento e relaxamento dos braços, punhos, mãos e coluna) em média 10 minutos por hora e postura correta em frente aos computadores.

A posição correta de digitação é aquela em que a altura do teclado coincide com a altura do cotovelo. Os punhos devem ficar retos e apoiados anteriormente ao teclado do computador, podendo ser utilizados apoios especiais de borracha para evitar a flexão dos punhos. Os dedos devem estar ligeiramente dobrados e digitar levemente sobre o teclado. O tronco deve estar apoiado em encosto da cadeira com pés apoiados no chão. O monitor do vídeo não deve ficar inclinado mais que 20 graus e em uma altura em que a borda superior da tela esteja na mesma altura dos olhos e na distância de 30 cm. O monitor não deve ser colocado em frente à janela, evitando reflexões na tela e o mouse deve ser movimentado sempre perto do corpo.

Os exercícios de alongamento e relaxamento podem ser feitos em casa e no ambiente de trabalho. Para exercitar os ombros, faça movimentos circulares para a frente e para trás. Para os punhos, com os braços relaxados e junto ao corpo, mexa as mãos abertas em movimentos circulares nos dois sentidos. Para os antebraços, apoie o antebraço sobre a mesa e mantenha a mão levantada por quinze segundos. Para as mãos, com o antebraço e repouso sobre a mesa, toque a ponta de cada um dos dedos com a extremidade do polegar. Para as crianças é importante observar a ergonomia, o tempo de uso dos eletrônicos e o estímulo a prática de atividades físicas.

Bibliografia utilizada:

1.    Dor, síndromes e lesões músculo-esqueléticas em adolescentes e sua relação com computador e videogame. ALZ Castellanos - 2004 - teses.usp.br
2.    Dores e lesões músculo-esqueléticas associadas a computadores e vídeo games em crianças e adolescentes. CAA da Silva - Pediatria (São Paulo), 1999 - pediatriasaopaulo.usp.br
3.    Musculoskeletal pain in obese adolescentes. Suely Nóbrega Jannini,1 Ulysses Dória-Filho,2 Durval Damiani,3Clovis Artur Almeida Silva4. J Pediatr (Rio J). 2011;87(4):329-335
4.    Silva CA, Zapatta AL, Moares AJ, Doria-Filho U, Leone C. Utilização do computador e de jogos eletrônicos e avaliação da ergonomia com uso do computador em adolescentes de uma escola privada na cidade de São Paulo. Rev Paul Pediatr. 2006;24:104-10.
5.    Zapata AL, Moraes AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain an musculoskeletal pain syndromes in adolescents. J Adolesc Health. 2006;38:769-71.
6.    Zapata AL, Moares AJ, Leone C, Doria-Filho U, Silva CA. Pain and musculoskeletal pain syndromes related to computer and video game use in adolescents. Eur J Pediatr. 2006;165:408-14.


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