terça-feira, 24 de julho de 2012

Distúrbios digestivos da absorção alimentar

O alimento para ser assimilado precisa percorrer uma série de etapas, iniciando na cavidade oral com a mastigação. Após a deglutição, ele chega ao estômago impulsionado de forma ativa através do esôfago

Por Columbano Junqueira Neto | Gastroenterologista e palestrante do I Congresso Brasil Central de Gastroenterologia

A investigação do quadro disabsortivo intestinal representa um grande desafio aos gastroenterologistas em função da complexidade dos diversos mecanismos fisiológicos envolvidos na digestão e absorção dos diferentes nutrientes que compõem a dieta. Nos últimos anos temos visto um grande avanço no conhecimento das interações entre a flora comensal intestinal e os mecanismos imunológicos na defesa da mucosa.

O alimento para ser assimilado precisa percorrer uma série de etapas, iniciando na cavidade oral com a mastigação e mistura com a saliva rica em amilase e lipase com a quebra inicial de polissacarídeos e triglicerídeos. Após a deglutição, o alimento chega ao estômago impulsionado de forma ativa através do esôfago. Neste, uma nova etapa de solubilização do bolo alimentar através de movimentos de compressão e relaxamento e com o auxílio do ácido clorídrico, pepsina e lipase, uma mistura pastosa ácida é encaminhada ao delgado proximal de forma gradual. No duodeno a alteração súbita do pH pelo bolo alimentar ácido determina a secreção no sangue mesentérico, de CCK e Secretina endógenos, determinando a contração vesicular calibrada e a secreção exócrina pancreática. As bases fisiológicas da digestão, absorção e transporte de carboidratos, proteínas e lipídios já é bem conhecida de todos e não será objeto neste momento. 

A má absorção de determinados alimentos, como os dissacarídeos, entre eles a lactose, em função da deficiência de dissacaridases específicas, depende de fatores genéticos bem conhecidos. Sabemos que cerca de 50% da população brasileira não tolera a lactose, contrariando a cultura alimentar de grande parte dos nossos habitantes nas diversas regiões do país. Na realidade, os adultos tolerantes à lactose são indivíduos portadores de mutações, descendentes de tribos europeias e africanas que, provavelmente, na última era glacial, sobreviveram aos rigores do clima utilizando a gordura do leite e deixaram seus genes, que circulam até hoje pelo mundo afora.    

Outros fatores genéticos, como a intolerância ao glúten, responsável, além de uma importante lesão na mucosa do delgado por mecanismos autoimunes induzidos pela gliadina, como também por uma série de outras doenças autoimunes associadas, como o diabetes, doença de Crohn e a Tireoidite de Hashimoto. O hipercrescimento bacteriano no intestino delgado é, sem dúvida, um dos principais causadores da sintomatologia apresentada por estes pacientes.

Não importando, muitas vezes, por qual mecanismo ocorreu a disabsorção, estes alimentos se transformam em substrato que promoverá o crescimento progressivo desta população. A fermentação destes alimentos ocasiona a produção de CO, principal motivo para que as fezes flutuem e alteração do pH, o que acarreta a acidez perianal.

O constante aprimoramento médico é fundamental para a adequada abordagem destes pacientes e a sensibilidade, durante a anamnese clínica, de pequenos sintomas que na realidade demonstram disabsorção, como a esofagite sem sinais de hérnia hiatal e as baixas taxas séricas de triglicerídeos que podem significar má absorção de carbohidratos, poderão trazer a solução de antigos problemas digestivos frequentemente taxados com síndrome do intestino irritável, mas que na realidade tratam-se de síndromes disabsortivas.

Jornal da Socieade Goiana de Endoscopia, julho de 2012.

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