terça-feira, 29 de maio de 2012

Sintomas do distúrbio da atividade muscular podem ser confundidos com embriaguez

Por WILLIAM LUCIANO DE CARVALHO | Diretor Científico da Sociedade de Neurologia de Goiás e Coordenador do Ambulatório de Distúrbios do Movimento do Hospital Geral de Goiânia (HGGGG)


O termo ataxia significa, literalmente, falta de ordem, sendo empregado desde os tempos de Hipócrates. Do ponto de vista clínico, é um sinal neurológico empregado para descrever um distúrbio da atividade muscular voluntária caracterizado por incoordenação dos movimentos, ou seja, falha na precisão, habilidade e destreza dos movimentos. Quando acomete a região do tronco ou os membros inferiores causa, ainda, desequilíbrio. O caminhar fica alterado, as quedas tornam-se frequentes e os movimentos tornam-se imprecisos, sem coordenação, a fala altera-se e os pacientes passam muitas vezes por constrangimento social por serem confundidos com indivíduos embriagados.

Muitas vezes os pacientes portadores de uma ataxia, principalmente nos estágios iniciais da doença, são erroneamente diagnosticados como tendo doenças mais comuns, as quais também afetam o equilíbrio, como as labirintopatias ou “labirintites”, atrasando às vezes em anos o seu diagnóstico, além de se submeterem a tratamentos equivocados, como o uso de antivertiginosos, por exemplo.

Reconhecem-se dois tipos de ataxias, a saber: ataxia sensitiva e ataxia cerebelar. A primeira ocorre em decorrência de alterações das vias proprioceptivas (vias pelas quais trafegam as modalidades sensoriais que participam da propriocepção, relacionadas ao equilíbrio, dentre outras funções) e a segunda por alterações do cerebelo e/ou de suas conexões aferentes e eferentes. A história clínica detalhada aliada ao exame neurológico são suficientes para diferenciar cada um dos dois tipos de ataxia, sendo assim o ponto de partida para a correta avaliação dos pacientes atáxicos.

Deixaremos de lado as ataxias sensitivas, cuja propedêutica e investigação são totalmente distintas, passando assim a discorrer acerca da abordagem dos pacientes com ataxias cerebelares. O termo engloba não apenas a típica alteração da marcha conhecida como ebriosa (semelhante ao caminhar de indivíduos embriagados), mas também outros sinais cerebelares, tais como alterações da movimentação dos olhos, falta de coordenação dos movimentos, redução do tônus muscular, fragmentação do movimento, alterações da fala, tremores, dentre outros.

Uma vez que existe uma grande diversidade de doenças potencialmente causadoras de ataxias, faz-se necessária uma avaliação clínica inicial minuciosa, buscando características clínicas específicas, a fim de serem selecionados exames complementares adequados diante do amplo arsenal de exames disponíveis, tornando economicamente viável esta investigação e evitando-se ainda um maior desgaste dos pacientes, que muitas vezes são submetidos a uma quantidade enorme de exames.

As ataxias cerebelares podem, sob o ponto de vista de suas causas, serem divididas em primárias ou secundárias. As ataxias secundárias são, em geral, caracterizadas por uma instalação aguda, levantando a possibilidade de lesões focais do cerebelo por quadros vasculares (“derrames”), infecciosos, ou ainda comprometimento cerebelar global por distúrbios metabólicos ou tóxicos, como intoxicações por substâncias e até mesmo medicamentos. Nestes casos, a realização de exames complementares é extremamente útil na elucidação etiológica desta síndrome cerebelar e o tratamento será voltado à doença que está causando os sintomas.

Descartada a possibilidade de causas secundárias, ou seja, de ataxia não aguda, uma nova gama de variáveis deve ser aventada, como a sua forma de progressão (lenta ou intermitente) e se há ou não história familiar da doença. Pacientes com progressão intermitente do seu quadro devem ser investigados para a possibilidade de doenças metabólicas, canalopatias e ainda, doenças desmielinizantes (como a esclerose múltipla). Para pacientes cujo quadro apresenta evolução lentamente progressiva, o raciocínio deve ser direcionado para as causas de ataxia primária, podendo ser classificado como esporádica ou hereditária. Novamente, uma anamnese detalhada será a melhor forma de identificarmos estes casos.

Na avaliação de um caso de ataxia cerebelar esporádica, a idade de início e a presença ou não de outros sinais neurológicos associados são de extremo auxílio na determinação etiológica.
Quando se detecta um padrão familiar de ocorrência da ataxia cerebelar, ou seja, evidências de causas genéticas na gênese do problema, o padrão de herança deverá ser esclarecido pela anamnese a fim de se levantar as principais causas de ataxias espinocerebelares genéticas de ocorrência em nosso país, como a doença de Machado-Joseph, principal causa de ataxia espinocerebelar genética no Brasil. Apesar de grande parte destas ataxias genéticas não terem ainda um tratamento específico, o diagnóstico é muito importante para se fazer o aconselhamento genético, ou seja, esclarecer o paciente e seus familiares quanto ao risco de acometimento das futuras gerações na família, bem como medidas de suporte que são fundamentais para a manutenção da qualidade de vida de seus portadores.




Revista Neuronotícia, maio de 2012.

Nenhum comentário:

Postar um comentário