terça-feira, 29 de maio de 2012

Hábitos saudáveis e realizar um pré-natal adequado podem evitar a anencefalia

Incidência da doença nos Estados Unidos, onde existem dados epidemiológicos sobre o tema, reduziu após a conduta sistemática de suplementação de ácido fólico durante e, se possível, antes da gravidez

HÉLIO VAN DER LINDEN JÚNIOR: "Os cuidados devem ser tomados quando a mulher planeja engravidar"
Nas primeiras semanas de abril o Brasil viveu uma grande polêmica devido à votação de uma lei que permite a interrupção da gravidez em caso de anencefalia. Apesar dos protestos de vários grupos religiosos, no dia 12 de abril, por oito votos a dois, os ministros do Supremo Tribunal Federal, decidiram que médicos que fazem a cirurgia e as gestantes que decidem interromper a gravidez não cometem qualquer espécie de crime. Para sete dos 10 ministros que participaram do julgamento, não se trata de aborto porque não há a possibilidade de vida do feto fora do útero. Isto é, para interromper a gravidez de feto anencéfalo, as mulheres não precisam mais de decisão judicial que as autorize, basta o diagnóstico de anencefalia do feto.

Segundo o neurologista infantil e neurofisiologista Hélio Van Der Linden Júnior, a anencefalia é a mais grave malformação do sistema nervoso central, caracterizada pela ausência parcial ou total de parte do encéfalo e calota craniana. “O problema é decorrente de um distúrbio que ocorre nas primeiras semanas de gestação, resultando em uma falha no fechamento do tubo neural, estrutura que dará origem, em situações normais, ao desenvolvimento do sistema nervoso central”, explica. “O termo anencefalia, ao contrário do que o nome possa sugerir, não quer dizer ausência total do encéfalo, e sim graus variados de danos encefálicos, que varia de ausência de algumas estruturas até casos extremos de ausência total das estruturas encefálicas”, completa.

Hélio diz que, quando há o diagnóstico de anencefalia, está se falando da ausência do córtex cerebral, ou seja, da parte superior do encéfalo, que é a estrutura mais evoluída do cérebro, responsável pela consciência, cognição, comportamento e todas as funções cognitivas de uma maneira geral. No entanto, estruturas mais primitivas podem estar presentes, como o tronco encefálico, cerebelo e partes do diencéfalo, o que pode propiciar às crianças portadoras de anencefalia algumas funções vitais reflexas, como a respiração.

Embora não se saiba exatamente a causa da anencefalia, já que ela ocorre num período muito inicial do período gestacional, Hélio diz que é possível que algum evento clínico que ocorre em gestantes nesse período inicial de gravidez, como infecções, exposição à radiação, dentre outros, pode, teoricamente, causar algum tipo de malformação fetal. “Do ponto de vista epidemiológico ocorrem mais casos de anencefalia em mães nos extremos de idade, como as muito jovens ou em idade mais avançada. Porém, é possível que diversos casos de abortos espontâneos sejam decorrentes de gestações com fetos anencéfalos”, informa.

USO DO ÁCIDO FÓLICO
De acordo com ele, a incidência de anencefalia nos Estados Unidos, onde existem dados epidemiológicos sobre o tema, reduziu após a conduta sistemática de suplementação de ácido fólico durante e, se possível, antes da gravidez. “Segundo estudos científicos, outras malformações resultantes da falha do fechamento do tubo neural também respondem bem à suplementação de ácido fólico”.

O diagnóstico da anencefalia é feito ainda dentro do útero, durante a gravidez, por meio da ultrassonografia materna. “Como o cérebro é o gerente, o maestro, o responsável pelo funcionamento de todas as funções importantes do organismo, a ausência dele vai resultar num grave comprometimento motor e cognitivo do paciente. Essas crianças são incapazes de estabelecer contato visual, movimentar-se adequadamente, estabelecer vínculo afetivo, sentir o toque, dor, etc”, detalha Hélio Van Der Linden Júnior. “Toda a reatividade de uma criança com anencefalia é gerida por reflexos primitivos que são determinados por estruturas do tronco encefálico, que encontra-se habitualmente presente nos casos de anencefalia que vivem por algum período de tempo”, pontua.

O neurologista diz ainda que, em casos de ausência total de todas as estruturas do encéfalo, não há como sobreviver, porém acredita-se que estes casos geralmente evoluem para abortos. Já nos casos de anencefalia com preservação de estruturas como o tronco encefálico, que é responsável pela manutenção de funções como respiração e batimentos cardíacos, é possível haver sobrevida de horas, dias e até semanas. “Existem casos pontuais, e que ficaram famosos na mídia, por sobreviverem meses e até mais de um ano, mas são casos muito raros”, salienta.

PREVENÇÃO
Assim, não há nenhuma possibilidade de vida normal para uma criança com anencefalia. Mesmo que ela mantenhas suas funções vitais funcionando, o médico frisa que ela precisará de sonda para alimentação, devido à incapacidade de deglutição, não manterá contato visual, vínculo afetivo, reatividade aos sons, etc, ou seja, será sempre dependente de cuidados externos para o prolongamento da sobrevida.

Como não há tratamento e os cuidados são meramente paliativos, Hélio ressalta que a prevenção é indispensável, ou seja, hábitos saudáveis, evitar fumo e álcool durante a gestação, fazer um pré-natal adequado e receber a suplementação de ácido fólico. “Cabe ainda salientar que os cuidados devem ser tomados, preferencialmente, quando a mulher planeja engravidar, pois é muito comum as mulheres descobrirem que estão grávidas somente após algumas semanas de gestação, período em que os distúrbios mais graves do fechamento do tubo neural já estão determinados”, alerta. Assim, continua o médico, se a mulher pretente engravidar, o ideal é que já inicie o uso de ácido fólico, preferencialmente dois a três meses antes da concepção.

Quanto à polêmica em relação à interrupção da gravidez, que inclui aspectos religiosos, sociais e emocionais, Hélio Van Der Linden considera que, como o óbito ocorre nas primeiras horas ou dias de vida na grande maioria dos casos, o Supremo Tribunal Federal agiu corretamente. “A manutenção de uma gravidez que não terá nenhuma chance de sobrevivência do feto determina um sofrimento e danos psicológicos graves para a gestante”, encerra.

Revista Neuronotícia, maio de 2012.

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