segunda-feira, 28 de maio de 2012

“O objetivo do tratamento é melhorar a qualidade de vida do paciente”

A manifestação clínica das crises epilépticas depende da área cerebral envolvida, conforme afirma Giuliana Macedo Mendes, neurologista e especialista em epilepsia e sono (USP-RP) 
O que é a epilepsia?
Epilepsia é um grupo de doenças, que tem em comum crises epilépticas, que recorrem, na ausência de doenças febris, tóxico-metabólica e outras condições específicas, como por exemplo o uso de drogas. Crises epilépticas são eventos clínicos, que refletem uma disfunção temporária de um conjunto de neurônios, de parte do encéfalo (crises focais) ou de área mais extensa, envolvendo os dois hemisférios cerebrais (crises generalizadas). Os sintomas de uma crise epiléptica dependem das regiões do cérebro envolvidas na disfunção.

Como a crise epiléptica é desencadeada?
A crise epiléptica é causada por descarga elétrica anormal excessiva e transitória das células nervosas, decorrente de correntes elétricas. Pode ser identificada por manifestações clínicas, por registro eletroencefalográfico (EEG) ou por ambos. Crises epilépticas são sintomas comuns de doenças neurológicas agudas (meningoencefalite, trauma cranioencefálico, doenças cérebrovasculares) ou de doenças clínicas (estado hipoglicêmico, insuficiência renal e hepática). Nestas circunstâncias agudas (provocadas) não se denomina epilepsia. Apesar de uma crise epiléptica isolada não se tratar de epilepsia, é necessário investigação complementar para esclarecer a etiologia. A manifestação clínica das crises epilépticas depende da localização da descarga epiléptica. As crises podem ser focais ou generalizadas, sendo que as focais subdividem-se em focais simples (sem perda da consciência) e focais complexas (com comprometimento da consciência). As crises generalizadas englobam as tônico-clônica,

Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico das crises epilépticas é feito pela descrição detalhada das manifestações clínicas sentidas pelo paciente, por parentes ou por testumunhas das crises. Deve-se indagar se há sintomas iniciais (aura) precedendo a crise, além dos sintomas pós-crise (pós ictais). Perguntar sobre movimentos involuntários, automatismos, alteração da consciência, liberação esfincteriana, confusão mental. Enfim, lembrar que o diagnóstico de epilepsia é basicamete clínico, baseado na descrição fenomenológica dos episódios. Além do quadro clínico, deve-se solicitar exames complementares, como o eletroencefalograma (EEG) e de imagem (tomografia de crânio e/ou ressonância de encéfalo), para se tentar confirmar o quadro clínico e determinar a etiologia da epilepsia.

Como é feito o tratamento?
O objetivo fundamental do tratamento é melhorar a qualidade de vida do paciente, mantendo-o sem crises e sem ou mínimos efeitos adversos das drogas antiepilépticas. O tratamento medicamentoso é prolongado (anos), sendo recomendado o uso inicial de uma única droga antiepiléptica (monoterapia) que deve ser titulada (aumentada) lentamente, até se atingir uma dose que controle as crises, sem efeitos adversos e nunca se deve tirar a droga antiepiléptica abruptamente. As opções terapêuticas medicamentosas dependerão do tipo de epilepsia. Nas focais as drogas mais indicadas são carbamazepina, oxcarbamazepina e fenitoína. Nas epilepsias generalizadas, comumente, indica-se valproato de sódio, lamotrigina e topiramato.

Quais os grupos de risco?
O grupo de risco para o aparecimento de epilepsia concentra-se nos extremos de idade, crianças e idosos. As crises epilépticas recorrentes e não controladas podem desencadear comprometimento cognitivo e comportamental, dentre os quais déficit de memória, ansiedade e depressão são os mais frequentes. Essas consequências podem ser resultado da combinação de vários fatores, como a própria epilepsia, descargas neuronais, drogas antiepilépticas ou de aspectos psíquicos (distúrbios do humor) e psicossociais (preconceito).

Qual a incidência?
Segundo estimativas da Organização Mundial Saúde, a epilepsia atinge 1 a 2 % da população mundial, sendo sua prevalência maior em países em desenvolvimento, onde se concentram 85% das pessoas com epilepsia. Alguns poucos estudos epidemiológicos foram feitos no Brasil, como em São Paulo, mostrando uma prevalência de 11,9/ 1.000 habitantes, em Porto Alegre de 16,5/1000 habitantes e em Maceió de 24,2 casos por 1000 habitantes.

Existe alguma novidade quanto ao tratamento da epilepsia?
Um estudo realizado pela disciplina de Neurologia Experimental da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) demonstrou que o clotrimazol, substância antifúngica utilizada no tratamento de candidíases e micoses, funcionou como agente protetor de células nervosas que, se lesadas, provocam epilepsia. A proteção dos neurônios pelo antifúngico sugere que esta pode ser uma alternativa futura no tratamento das epilepsias. Esse é o primeiro trabalho no mundo que mostrou esse efeito e, obviamente, abre enormes perspectivas para futuras pesquisas e, quem sabe, para uma nova proposta terapêutica.

Tem como prevenir?
A epilepsia pode ser desencadeada por diversos fatores, como traumas, neoplasias, malformações vascular e congênita, anormalidades genéticas e infecção, em particular este último fator sendo um dos mais frequentes em países em desenvolvimento, além do uso de álcool. Assim, tratando a doença aguda, neurológica ou clínica, estaremos prevenindo o desencadeamento de crises epilépticas, juntamente com a terapia específica com as drogas antiepilépticas.

Por que algumas pessoas não procuram ajuda médica?
Embora a epilepsia seja um problema predominantemente tratável, muitos pacientes permanecem sem tratamento. Provavelmente uma das principais causas para isto seja o estigma (preconceito) que ainda atinge as pessoas com epilepsia. A epilepsia constitui em importante problema de saúde pública, acarretando prejuízos pessoais, sociais e econômicos. Com isso, esperamos estimular autoridades da saúde a investir em medidas preventivas, diagnósticas e terapêuticas, reduzindo significativamente o impacto desta afecção, além de produzir benefícios significativos para a coletividade.

O tratamento cirúrgico da epilepsia é indicado para quais casos?
O tratamento cirúrgico da epilepsia reserva-se a 25- 30% dos pacientes refratários à medicação antiepiléptica, com repercussão importante na qualidade de vida e desde que exista uma Síndrome Epiléptica remediável cirurgicamente. O tipo mais comum de cirurgia e o de melhores resultados, em todo o mundo, é a ressecção das estruturas mesiais do lobo temporal (amigdalohipocampectomia) ou lobectomia temporal anterior. Nestas cirurgias, aproximadamente, 80% dos pacientes ficam livres de crises, sendo a morbidade pequena e mortalidade desprezível.

Como socorrer uma pessoa no momento da crise epiléptica?
Geralmente as crises epilépticas são autolimitadas, devendo-se, durante as crises, proteger a cabeça do paciente que está em movimento involuntário para que se evite trauma craniano e posicionar a cabeça lateralmente para que se evite aspiração de saliva e de secreções. Entretanto, se a crise epiléptica se prolongar, o paciente deve ser encaminhado a ambiente hospitalar para a prescrição de oxigênio a fim de se evitar hipóxia ( queda de oxigenação) cerebral.


Revista Neuronotícia, maio de 2012.

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