segunda-feira, 7 de maio de 2012

Do sonho de uma viagem surgiu um empreendimento

A pamonharia Frutos da Terra, uma das mais antigas de Goiânia, foi criada de uma forma despretensiosa, mas hoje sua fundadora reivindica: os empresários da culinária do milho precisam se articular






Em 1985 Elcimar Lobo Figueiro, proprietária da pamonharia Frutos da Terra, tinha terminado o curso de Geografia na Universidade Federal de Goiás quando, em parceria com um amigo do curso, decidiu alugar uma pequena sala e vender algumas pamonhas para viabilizar uma viagem à Paris. A sala, de 45 metros quadrados, ficava no Setor Coimbra, divisa com o Setor Oeste, no local conhecido como Praça do Racha.

As vendas giravam em torno de 30 unidades por dia. “Eu fazia pós-graduação e naquela época não tinha dinheiro e nem bolsa para viabilizar essa viagem.  A ideia no início era apenas para concretizar esse projeto, não tinha nenhuma perspectiva focada em comercializar o produto por tempo indeterminado como acabou acontecendo”, conta. “Só que depois a vida nos levou para outros caminhos, ele continua na academia e eu brinco que faço a 'geografia da pamonha'”, se diverte a empresária.

Elcimar diz que pensou primeiro em pizzaria, mas acabou optando pela pamonharia aconselhada pela mãe, que nasceu na Cidade de Goiás e junto com a avó de Elcimar, Geni Parinhas, fazia bastante o prato em casa. “Vem da tradição. Era hábito praticamente cotidiano. Fazíamos pamonha no final de tarde, para substituir o jantar. E ela falou para eu montar a pamonharia porque ela sabia da quantidade de milho e o quanto se produzia”, comenta. “E ela também me transmitiu o hábito de fabricar de uma forma muito artesanal, com muito critério de qualidade, de selecionar a matéria-prima”, completa.

Quando o amigo se desligou da empresa, a mãe, Ione Lobo, hoje falecida, comprou a parte dele. A viagem à França ela fez, mas durou apenas oito meses, por causa de uma doença da mãe. Do período ela guarda ternas recordações, apesar da falta de recursos.  Atualmente a empresa é dirigida por ela e por duas sobrinhas que herdaram a parte de sua mãe e tem como gerente uma cunhada, mãe de suas sobrinhas.

Segundo ela, o que auxiliou na evolução da despretensiosa pamonharia foi o fato de estarem ligados à universidade. “Estudantes de outros Estados vinham para congressos e seminários e a nossa pamonharia era uma opção de comida regional. As pessoas chegavam afoitas para conhecer a culinária local e foi o que nos estruturou, na verdade”, comenta, acrescentando que naquele momento, em Goiânia, havia apenas três ou quatro pamonharias na cidade, uma realidade bem diferente de hoje, quando já somam mais de 150.

CRESCIMENTO DO NEGÓCIO
Não demorou para que as pessoas começassem a fazer fila na porta e elas passassem a vender mais de 1000 unidades por dia. Foi quando decidiram se mudar para o Setor Bueno, na Av. T-11, numa época em que a região ainda não tinha o trânsito efervescente de hoje. “Continuamos com a unidade no Setor Oeste e inauguramos aqui no Setor Bueno em 1990. Hoje a unidade do Setor Oeste é apenas um ponto de venda, a produção é toda feita aqui no Setor Bueno”, destaca. 

Atualmente são comercializadas de 2.500 a 3.000 unidades por dia e a empresária já pensa em expansão. “Nosso projeto agora é fazer uma cozinha, já estamos elaborando o projeto de arquitetura e vamos construir no Parque Amazonas, porque aqui também já é um espaço que tem limite físico”, considera. “Assim que conseguirmos organizar essa cozinha industrial e ela entrar em operação vamos centralizar a distribuição e abrir novos pontos de venda em outros lugares da cidade”, planeja, complementando que ela aguarda que isso resolva, inclusive, o problema de estacionamento, devido ao grande fluxo de veículos na T-11.

Além das pamonhas – com queijo, com guarariroba, jiló, etc – a Frutos da Terra serve ainda creme de milho, creme de palmito com milho, a famosa chica doida, pamonha assada de sal e doce, bolo de milho, pamonha frita, cural, canjica e, recentemente começaram a trabalhar com uma linha de  salgados e pão de queijo congelados.

Ganhadora de sete prêmios da Revista Veja Goiânia Comer & Beber, Elcimar assegura que fica muito feliz com o prêmio dos Mais Admirados da Gastronomia em Goiás e que considera este reconhecimento uma responsabilidade imensa. Modestamente, analisa que existem diversa pamonhas boas por aí, mas que existe até um preconceito em procurar essas pamonharias. “Existem muitas 'pontinhas', que fazem a pamonha bem artesanal, que são gostosas. Mas não é em qualquer lugar que você pode chegar e comprar uma pamonha. Na verdade, não é só a questão do preconceito, é que nem sempre você encontra um local adequado, é um descuido muito grande no processo de manipulação", contrapõe. E nós realizamos este trabalho com muitos critério. Temos toda a técnica de conduta, de higienização. Nós treinamos funcionários. Investimos neles para que as pessoas obtenham um produto de qualidade, com segurança”, garante.

PRODUÇÃO INDUSTRIAL
E aproveita a ocasião para criticar a venda de pamonha na rua, na informalidade. “Vendem de qualquer forma e isso acaba nos prejudicando, pois não há fiscalização. Nós pagamos imposto altíssimo e esse concorrente é desleal e não contribui, pois às vezes a pessoa compra essa pamonha, passa mal e acaba criando uma ideia errada de pamonha e, na verdade, se bem feita, é um prato nutritivo”, reitera. Um problema, considera ela, que se ajunta à forte resistência cultural em relação à pamonha. “A tendência geral da mídia é apelar para o consumo de outras coisas. É muito difícil uma criança pedir uma pamonha. Esse hábito é um hábito alimentar que se nós não brigarmos para que ele permaneça a tendência é desaparecer”, acredita.

Elcimar reclama  ainda do custo alto da produção, por ser totalmente artesanal. “Um problema sério que encontramos é a falta de maquinário deste setor. Em congressos, em encontros de gastronomia nacional, não se encontra nada para este segmento. Muitos nem sabem o que é pamonha, processador de milho, embalador. Isso dificulta, porque teríamos que contratar um engenheiro para fazer as máquinas. Por isso nossa culinária envolve um alto grau de empregabilidade. Hoje, temos 76 funcionários. E por isso também não podemos pensar em uma escala maior de produção porque ficaria inviável. Nós queríamos automatizar alguns processos”, reivindica.

Outra razão citada por Elcimar para o baixo consumo da pamonha é que os empresários dos derivados do milho são desorganizados enquanto classe. “Eu já tentei uma articulação para que pudéssemos fazer uma mídia unificada para se contrapor a essa indústria do fast food, que é muito forte, mas o pessoal não consegue entender que temos que apresentar esse produto de uma forma mais insistente para que as pessoas não esqueçam que esse produto existe como alternativa”, critica. “Eu acho muito importante, porque é uma comida muito nossa, enraizada na nossa cultura. Falta muito apoio também. A Secretária de Turismo, de Cultura não vêem muito a importância de ajudar esse segmento”, declara.

Ela frisa que o milho representa um resgate da cultura milenar, já que era consumido pelos povos que habitavam a América antes da colonização. “Se você vai para o Peru, por exemplo, tem diversas qualidades de milho. Se você vai para a Colômbia é a mesma coisa. No sul dos Estados Unidos... Quer dizer, essa apropriação do milho como cereal é uma tradição muito forte na nossa comida”, finaliza.

Prêmio Mais Admirados da Gastronomia 2012.

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