terça-feira, 11 de outubro de 2011

Dependência das drogas é sintoma de problemas maiores

Convidado a falar sobre o crack, o psiquiatra Rondon de Castro faz uma análise geral da relação da sociedade com as drogas e alerta: “O abuso do álcool é infinitamente maior do que o do crack e atravessa décadas sem uma intervenção

O crack é o judas do momento, responsabilizado por todas as mazelas do país. Esta constatação é do psiquiatra Rondon de Castro, pós-graduado em Toxicomanias e Marginalidades pela Universidade René Descartes/Centro Médico Marmottan, em Paris, que diz que é preciso, sim, combatê-la, no entanto alerta que “há um alarmismo sensacionalista, orquestrado pela mídia, que coloca o crack no papel de maior vilão do Brasil, responsável por todas as desgraças do país”, destaca.

Ele diz ainda que, de tempos em tempos, uma droga é colocada em destaque para assumir esse papel, com exceção do álcool. “O abuso de álcool é um problema infinitamente mais grave que o do crack e atravessa décadas sem nenhuma intervenção séria, seja da parte das autoridades, seja de nossa parte. O álcool é sempre poupado para não contrariar os anunciantes”, critica.

Ele ressalta que os verdadeiros problemas do país raramente são discutidos com tanta ênfase. “É claro que o crack é um problema a ser combatido, mas ele está indissoluvelmente ligado a vários outros problemas, que, se não forem bem compreendidos, não permitirão que haja vencedores nessa guerra”, enfatiza.

EFEITOS DO CRACK
O psiquiatra explica que o crack é uma droga estimulante do sistema nervoso central, o que significa que, sob efeito dela, o usuário fica com suas funções motoras e psíquicas aceleradas. “Fica inquieto, eufórico ou nervoso, não necessariamente agressivo mas, dependendo da situação, pode reagir com brutalidade. Tende a perder o sono e o apetite. Os efeitos do crack são muito semelhantes aos dos remédios para emagrecer”, compara, dizendo ainda que, como o cérebro está bastante estimulado, alguns usuários podem desenvolver reações incoerentes com a realidade. “Podem ter delírios de perseguição, iguais aos que os remédios para emagrecer provocam. Podem ter verdadeiros surtos psicóticos. Por agir no sistema nervoso central, a droga interfere em praticamente todas as funções cerebrais”, frisa.

Rondon ressalta que é importante saber que a consequência de qualquer droga depende também das características do usuário e do momento em que isso ocorre. “Para ficar mais claro: todos conhecem pessoas que bebem e ficam falantes e engraçados, outros ficam hostis e outros choram com facilidade. Se você estiver triste e beber, vai ficar mais triste ainda. Se for beber para comemorar que ganhou na mega-sena, é bem possível que fique bêbado, alegre e falante após poucos goles”, pontua.
Isso quer dizer, continua o médico que qualquer droga, o crack incluído, não deixa obrigatoriamente todas as pessoas violentas. “Alguns em certos momentos ficarão, outros não. Um bêbado pode tanto agredir a esposa quanto dar-lhe um beijo nunca antes dado. As drogas simplesmente deixam os usuários sinceros, e isso, socialmente falando, pode ser realmente perigoso”, pondera.

REABILITAÇÃO
Rondon Castro, que foi o criador do Centro Aberto para tratamento de dependentes, em 1989, que se tornou o Centro de Atenção Psicossocial especializado em álcool e drogas, da Secretaria Municipal de Saúde de Goiânia, diz que, de uma forma geral, quando se pensa em tratamento para o dependente de crack, não há, a rigor, necessidade de um acompanhamento neurológico. “As complicações neurológicas que requerem uma intervenção são mais comuns nos alcoolistas. Estes sim, sofrem com a perda gradativa do raciocínio, memória, fraqueza nas pernas que podem chegar à impossibilidade de ficar em pé e outras complicações”, exemplifica. De acordo com ele, embora os usuários de crack se exponham a riscos diretos e indiretos, os principais problemas que enfrentam ainda são de ordem social e legal.

Ele destaca ainda que está provado há muitas décadas, que a melhor chance de um usuário dependente de drogas (não apenas do crack) se recuperar, é quando está acompanhado por equipes interdisciplinares. “Dessa forma, os problemas que contribuíram para que ele se tornasse dependente, podem ser melhor identificados e enfrentados. Não se descobriu até hoje nenhuma causa biológica para a dependência de drogas, portanto, não há medicação específica à disposição da medicina para o tratamento da dependência”. Ou seja, os medicamentos prescritos nestes casos são para dar suporte ao tratamento e tratam apenas os sintomas. Assim, os medicamentos, sem o acompanhamento de outros profissionais, não têm nenhuma utilidade. “Ao contrário, podem se tornar facilmente drogas a mais para o usuário se tornar dependente”, alerta.

A internação, um método recorrente em tratamentos de dependência química, segundo Rondon, pode ser necessária mas jamais deverá ser vista como solução definitiva e menos indicada para todos os casos. “Já está demonstrado que cerca de 99% dos usuários voltam a usar drogas pouco tempo após a internação. A ideia de internação compulsória (contra a vontade do usuário) só é defendida por políticos e autoridades saudosos dos tempos da ditadura militar ou por proprietários de clínicas particulares, visando aumento de seus lucros. A internação compulsória nada mais é que um aprisionamento disfarçado de tratamento. É a sociedade querendo varrer sua sujeira para debaixo do tapete”, condena.

Para romper com a dependência, não basta interromper o consumo da droga, ensina o psiquiatra. “Será necessário identificar e modificar uma série de condições que, de uma forma ou de outra, e desde o nascimento, vêm contribuindo para que o usuário não suporte viver sem o efeito da droga. E essa, além de não ser uma tarefa simples, não está ao alcance da medicina isoladamente”, frisa.

Revista NeuroNotícia, agosto de 2011.

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