terça-feira, 9 de agosto de 2011

Setor Jaó foi formado por alemães prisioneiros de guerra e tem nomes de ruas de Minas Gerais

Nádia Lima

A história do Setor Jaó começou a ser oficializada em 1951, quando a empresa Interestadual Mercantil S/A efetivou a compra de três glebas da região antes denominada Fazenda Retiro. A firma tinha sede em Belo Horizonte e pertencia à família Magalhães Pinto. José de Magalhães Pinto foi uma figura marcante na história brasileira. Nascido em 1909, na cidade de Santo Antônio de Monte (MG), filho de José Caetano de Magalhães Pinto e de Maria Araújo de Magalhães Pinto, começou sua carreira profissional cedo, aos 16 anos, no Banco Hipotecário e Agrícola de Minas Gerais. Com 17 anos já era gerente da agência.

Foi presidente da Associação Comercial de Minas Gerais. Em 1935 tornou-se diretor da matriz do Banco da Lavoura do Estado, em Belo Horizonte. Em outubro de 1943, quando já era um empresário de prestígio, participou do movimento conhecido como Manifesto dos Mineiros — documento lançado pelos setores liberais contra o Estado Novo de Getúlio Vargas. Magalhães foi afastado da direção do banco por determinação do governo federal.

Já no ano seguinte, fundou o Banco Nacional de Minas Gerais, que se tornaria uma das maiores instituições bancárias do país. Conservador, foi também um dos idealizadores da União Democrática Nacional (UDN), que reuniu diversos setores contrários a Getúlio Vargas. Foi eleito deputado federal por Minas em 1946 e reeleito sucessivamente em 1950, 1954 e 1958. Nesse ano tornou-se presidente da UDN mineira e, em 1959, presidente nacional.

Governou Minas Gerais de 1961 a 1966, período em que criou o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais. Jânio Quadros governou o país por um breve período e renunciou à presidência em agosto de 1961. Um grupo de políticos, nele também Magalhães Pinto, passou a discutir o impedimento da posse do vice-presidente João Goulart, ligado a grupos de esquerda. Entrou em rota de colisão com o governo Goulart desde o seu início.

Os bastidores para a derrubada do presidente e instituição do governo militar tiveram em Magalhães Pinto um de seus principais articuladores e financiadores. Goulart foi deposto na noite do dia 1º de abril de 1964. Logo nos dias seguinte, Magalhães fez parte da comissão que escolheu o novo presidente, marechal Humberto Castelo Branco. Em 1967, no governo do general Artur da Costa e Silva, foi nomeado ministro das Relações Exteriores. Eleito senador em 1970, assumiu a presidência da casa em 1975.
Paralelamente, na área financeira destacava-se como um dos mais importantes banqueiros do país. Após o Golpe de 64, sua fortuna se multiplicou e incorporou mais seis bancos em 1972, criando o Banco Nacional S/A, que se tornaria o terceiro maior banco brasileiro. Magalhães Pinto foi um grande articulador de empréstimos internacionais para o financiamento de obras de infraestrutura para o país. Foi grande financiador de obras públicas na época do milagre brasileiro, nos anos 70 do século XX.
As obras de Goiânia já estavam em estágio avançado quando a nova capital recebeu a visita de Magalhães Pinto. Entusiasmado com o bem-sucedido desenvolvimento da cidade, resolveu diversificar seus investimentos e também marcar presença. Comprou uma grande área próxima ao rio Meia Ponte, já planejando construir ali um bairro à altura da nova e bem planejada capital.
Magalhães Pinto foi governador de Minas enquanto o médico Hélio de Brito era prefeito de Goiânia. Hélio lembra, em entrevista ao Jornal Opção, 1995, que muitos estavam de olho naquela área para construir algo ligado ao lazer, cada um com um plano diferente. Foram até sua casa Ubirajara Berocan Leite e Nicanor de Faria, expondo uma ideia grandiosa para um clube e pediram apoio ao prefeito, que lhes deu uma carta de recomendação para Magalhães Pinto. Foram bem recebidos por ele, que disse não poder deixar de atender o pedido de um amigo e companheiro político.
O segundo maior estádio de futebol do Brasil, foi batizado com seu nome, Estádio Governador Magalhães Pinto, mais conhecido como Mineirão, inaugurado em 1965. Seu maior objetivo político sempre foi chegar à Presidência da República, sonho não concretizado, já que o mineiro atuava mais nos bastidores da política brasileira. Deixou a política em 1985, devido a um derrame. Faleceu no Rio de Janeiro no dia 6 de março de 1996. Era casado com Berenice Catão de Magalhães Pinto, com quem teve seis filhos. A família continuou envolvida na área bancária – seus filhos foram diretores do Banco Nacional.

O banco foi o principal patrocinador do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna, e foi o primeiro a bancar o Jornal Nacional, da Rede Globo. Em 1994, a instituição passou por dificuldades financeiras e sofreu intervenção do Banco Central. Foi então incorporado pelo Unibanco, ficando suas dívidas ao encargo do Banco Central. Pela análise de seus documentos financeiros, foi constatado que o banco da família Magalhães Pinto estava falido desde 1986. Para manter a aparência, os balanços tinham sido fraudados durante 10 anos. Estimativas apontam que o governo federal tenha gasto sete bilhões de dólares para tapar este buraco.

A compra das terras que iriam formar o Setor Jaó foi realizada por intermédio de um dos diretores da Interestadual Mercantil S/A, que esteve em Goiânia especialmente para tratar dos negócios, o advogado Luiz Kubitschek. Luiz representava outro diretor, o médico Pedro Moreira Barbosa, por meio de procuração, e o proprietário majoritário, Magalhães Pinto.

As terras, em parte, pertenciam aos menores Valdivino Ferreira da Cruz, Randolfo Ferreira da Cruz e Miramar Ferreira Canedo. Eram o resultado de herança depois do falecimento em 1947 da mãe, Maria Ferreira Canedo. O pai das crianças, Honorato Ferreira da Cruz, era também proprietário de parte das terras e se casara novamente com Cory Antunes Ferreira. José Belo e sua esposa Ludovina Altina Belo eram outros que tinham parte das terras.

Os registros mostravam que a fazenda tinha uma área total de cerca de 60 alqueires, sendo 50 de “cultura” e 10 de “campo”. Entre as delimitações do setor citadas estão o córrego Jaó, um dos afluentes da margem esquerda do Rio Meia Ponte. Em 2011 está sob a proteção do Clube Jaó, sendo que suas águas formam três lagos e desde 2004 é classificada como área de preservação permanente, prevista em lei municipal. Outro limite estabelecido são terras de propriedade do Ministério da Agricultura. A partir de 1990, essa área foi destinada à superintendência regional da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), empresa pública encarregada de gerir as políticas agrícolas e de abastecimento nacionais. Além dessas, são expressas curiosas divisas em uma descrição confusa e cheia de detalhes, com ponto apenas ao final de duas folhas de letra escrita a bico de pena em um já amarelado livro de registro: “Começando à margem esquerda do Rio Meia Ponte, na ponta de uma cerca de arame, segue por esta em rumo Nordeste 66º 45º até a sua primeira esquina, junto à estrada que dá acesso a um imóvel, e distante do rio 184 metros, limitando com terras do Estado de Goiás; daí, segue por uma cerca de arame, em rumo Nordeste 36º 20º até o canto da mesma, distante do último 652 e 50 cm, dali continua pela cerca, agora em rumo nordeste 65º 10º até o marco no canto da mesma cerca e distante 1.891 metros e onde fazem divisa as terras dos Drs. Altamiro de Moura Pacheco e Augusto França Gontijo, limitando com terras do primeiro; dali seguem em rumo sudeste 21º 15º até o canto de uma cerca do Ministério da Agricultura e que fica do lado direito da estrada de auto, que deixando a sede daquela Repartição Federal e distante 1.122 metros do marco citado; dali, desce pela cerca de arame, primeiro em rumo Sudoeste 89º 25º na distância de 686 metros e depois em rumo 72º Nordeste até o Córrego Jaó, pelo qual desce até encontrar a sua margem direita uma cerca de arame, distante da última 1.150 metros, em rumo, limitando-se até ali com terras do Ministério da Agricultura, dali segue por uma cerca de arame, em rumo da Sudoeste 85º 20º até o Rio Meia Ponte, na distância de 205 metros e limitando com uma pequena gleba de terras do Estado de Goiás; dali sobe beirando o Rio Meia Ponte até encontrar a extremidade de outra cerca de e arame, que também separa outra gleba de terras do Estado de Goiás e distante da última 200 metros; dali segue, em rumo sudoeste 84º20º pela cerca de arame de comprimento de 529 metros, até o Rio Meia Ponte, dali, sobe margiando o Rio Meia Ponte até o ponto de partida.”

As escrituras do período traziam uma linguagem diferente da atual, marcada pela concisão e uso de símbolos técnicos. As delimitações eram estabelecidas por pontos de referência impensáveis no século XXI, mas largamente empregadas à época, em que uma cerca valia como demarcação e não existia o GPS (Sistema de Gerenciamento Global) para fornecer as coordenadas com precisão. Foi paga a quantia de 2 milhões, 193 mil e 750 cruzeiros — ao preço de 50 mil o alqueire. A escritura especificava a forma de parcelamento da dívida e que a Interestadual deveria depositar na Agência do Banco do Brasil (a única da cidade na época) as parcelas, além dos juros, em contas em nome de cada criança e do casal Belo.

O documento também descrevia a propriedade rural:
“casa de morada, com 6 cômodos, barracão próprio para tirar leite, currais cercados de taboas, duas casinhas e cercas de arame”. Segue depois, todo o resultado de uma consulta ao Curador Geral de Órfãos de Goiânia sobre a legalidade de o pai representar o interesse dos filhos na transação. Além de inúmeras referencias repetitivas ao preço, forma de pagamento, juros e demais tramites burocráticos. A escritura é de 13 de julho de 1951.

Quando governava Goiás, Coimbra Bueno recebeu uma proposta singular da embaixada da Inglaterra no Rio de Janeiro, então capital federal, quando começaria a ser desenhada a história do setor Jaó. Eram tempos do fim da II Guerra Mundial e o mundo, ainda sofrendo as consequências do conflito, começava a se adequar a nova realidade. O governo inglês precisava resolver um “problema” e achou a solução ideal naquela visita de Coimbra Bueno. Foram oferecidos ao estadista goiano 50 prisioneiros alemães. O governo, assim, dividia seus problemas com os países aliados.

Passado algum tempo e já esquecido do acordo, Coimbra Bueno até se assustou com a chegada do avião com os 50 alemães em 1950. É claro que a intenção da Inglaterra era de que o governo do Brasil mantivesse-os presos. Mas ao chegar em Goiânia, depois de algum tempo presos na antiga casa de prisão estadual, na avenida Independência, foram soltos. Ficaram detidos apenas enquanto os ingleses permaneceram na cidade. Essa sim, uma atitude, literalmente, para inglês ver.

Provisoriamente, as famílias ficaram alojadas em barracas nas terras de Magalhães Pinto. Como ainda não havia infraestrutura, era preciso levar aos estrangeiros suprimentos, que além dessa ajuda se aproveitavam da riqueza da terra para pesca e coleta de frutos. Coimbra Bueno designou o diretor do Departamento de Ação de Armas Públicas, o engenheiro Tristão da Fonseca, para recepcioná-los. Aproveitando a afinidade com os estrangeiros, que tinham muito conhecimento em engenharia, Tristão os recebeu em seu escritório.

Depois de um tempo na área, foi articulado com Magalhães Pinto que os alemães iriam realizar o planejamento da área. Era uma forma de criar uma frente de trabalho para os “prisioneiros” e agilizar o crescimento de Goiânia. O loteamento começou a ser realizado seguindo padrões alemães de antes da guerra. Uma solicitação de Magalhães foi a inclusão no projeto de referências a sua terra, Minas Gerais, no novo loteamento. Vem daí os nomes das avenidas Belo Horizonte e alameda Pampulha — um bairro ilustre da capital mineira. Como não tinham registro no Crea (Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura), o projeto foi assinado por Tristão para efeitos burocráticos, mas seu autor principal foi o alemão de nome Sonenberg.

Depois de terminarem a empreitada, os alemães foram convidados para mudarem-se para Argentina pelo presidente Juan Carlos Perón, à frente do governo entre 1946 e 1955 e entre 1973 e 74. Outros mudaram-se para São Paulo. Do grupo original, permaneceram em Goiânia apenas três integrantes: Sonenberg, Paulo Otto Boettcher e Hoffman.

Sonengerg foi professor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Goiás. Paulo montou uma churrascaria na principal rua de acesso ao setor — a avenida Venerando de Freitas Borges, este sim um nome autenticamente goiano, homenagem ao primeiro prefeito da capital Ainda no início da edificação do bairro, funcionava uma espécie de portaria em frente à churrascaria. Por aproximadamente dois anos, a entrada era fechada à noite, controlando a entrada de quem não fosse morador. Os pioneiros afirmam que não se tratava de medo de assalto ou elitismo, mas para evitar o enorme fluxo de casais que aproveitava o grande número de lotes ainda desocupados para namorarem pelas ruas escuras, desabitadas e seguras.

Tristão acompanhou todas as etapas da construção e o loteamento do Jaó. Ele, convidado para realizar um estudo na Usina Jáo, cujo reator não vinha fornecendo energia elétrica suficiente para abastecer a cidade, pretendia permanecer em Goiânia apenas por alguns dias, mas adotou-a como sua cidade. Apaixonou-se pela capital goiana e, em especial, por uma de suas moradoras, Josefa.
Além de um casamento bem-sucedido e de participar efetivamente do nascimento do Setor Jaó, Tristão Pereira Fonseca deixou outras marcas em Goiânia. Edificou cerca de 20 lojas na avenida Goiás, projetou diversos moinhos pelo Estado e algumas das grandes construções no Distrito Agroindustrial de Anápolis, o Daia. Desde 1982, fixou residência no Jaó a pedido da esposa, atraídos pelo bairro tranquilo e aconchegante.

Um comentário:

  1. Boa Noite Nadia,
    Li um artigo seu no Jornal a respeito do Setor Jaó, onde citava o Engenheiro Tristão da Fonseca. Estou escrevendo sobre o mesmo para meu mestrado na UNB, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Será que o você também como Jornalista, não teria mais informações ou até o contato do Engenheiro Tristão para contribuir com minha pesquisa?

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