A polêmica vem de longa data e é unânime a todas as especialidades: o exercício da medicina tem sido vilipendiado pelos convênios de saúde, que cobram altos valores dos usuários, pagam honorários irrisórios aos prestadores credenciados e ainda interferem no trabalho médico. “A última edição da revista Forbes traz na capa Edson Godoy, o mais novo bilionário do mundo. Ele é o dono da Amil. Ficou bilionário à custa de quem?”, questiona a presidente da Sociedade Goiana de Oftalmologia, Lúcia Meluzzi, na edição de março do jornal da entidade. “Por que nos permitimos ser explorados assim? Precisamos reagir e rápido para não definharmos”, completa. “A máxima de Edson Godoy é: quem nasce para tubarão, vive com tubarões, quem nasce para sardinha, vive com sardinhas”, acrescenta o presidente da Comissão de Dignidade e Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Ortopedia (Sbot), Robson Paixão Azevedo. De acordo com dados da Federação Nacional dos Médicos (Fenam), os médicos atendem, em média, em seus consultórios, oito planos ou seguros de saúde.
Acatando aos clamores vindos de todas as regiões brasileiras, as entidades representantes da classe médica decidiram encabeçar o que promete ser uma luta árdua. No dia 7 de abril, Dia Mundial da Saúde, médicos de todo o Brasil paralisaram os atendimentos eletivos aos usuários de planos e seguros de saúde, sob a chancela da Associação Médica Brasileira (AMB), Conselho Federal de Medicina (CFM) e Fenam. Apenas os atendimentos de urgência, emergência e os do Sistema Único de Saúde (SUS) e particulares foram mantidos.
PRESSÃO DOS PLANOS
A paralisação teve como foco a valorização do trabalho médico e da assistência em saúde oferecida pelos planos de saúde. “Os colegas são solidários com os usuários dessa rede, que sofrem com a rejeição de procedimentos, limitação de exames e filas de espera por atendimento. Uma pesquisa do Datafolha revela que 92% dos médicos brasileiros que atendem planos ou seguros saúde afirmam que sofreram pressão ou ocorreu interferência das operadoras na sua autonomia técnica”, informa Robson. Entre as interferências, os profissionais denunciam que glosar procedimentos ou medidas terapêuticas e impor a redução de número de exames ou procedimentos são as práticas mais comuns das operadoras.
Os médicos querem ainda que sejam estabelecidas regras contratuais que assegurem o reajuste dos honorários de forma progressiva – de acordo com os parâmetros da Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos (CBHPM) – justamente para evitar que se chegue a déficits como o atual. As entidades médicas estimam em R$ 60 o valor mínimo a ser pago por cada consulta. “Mas esse ainda não é valor ideal. Temos como meta R$ 80 por consulta, além do reajuste dos demais procedimentos. A maioria dos planos paga entre R$ 25 e R$ 40. Um levantamento feito pelo CFM, AMB e Fenam mostra a disparidade entre os números que envolvem as operadoras de planos de saúde e os que se referem à classe médica”, ressalta Robson.
O ortopedista informa que, de 2000 a 2010, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo governo para medição das metas inflacionárias, no qual é inclusive baseado o reajuste dos honorários médicos, acumulou 106% e que no mesmo período a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) autorizou reajustes de 133% para planos individuais e familiares. Robson afirma ainda que entre 2003 e 2009 o faturamento anual das operadoras de planos médico-hospitalares aumentou 129%, passando de R$ 28 bilhões para R$ 65,4 bilhões. “Projeções indicam que, em 2010, este volume chegou a R$ 70 bilhões”, frisa.
MOVIMENTO CONTINUA
De acordo com dados das entidades coordenadoras do movimento, mais de 80% dos 160 mil profissionais que atendem a planos de saúde no país aderiram ao movimento e foram realizados 40 atos públicos nas grandes cidades e capitais, com excelente repercussão na mídia.
Em Goiânia, a manifestação, da qual participaram presidentes de sociedades de diversas especialidades, foi realizada na sede do Ipasgo, plano de saúde dos servidores do governo do Estado, que ainda opera com a tabela de 1992. “Chamamos a atenção dos gestores dos convênios de saúde e também da sociedade para que tenham a consciência de que a medicina é hoje uma atividade bastante cara e ela precisa ser remunerada adequadamente para que a população continue sendo atendida”, declara o presidente do Sindicato dos Médicos do Estado de Goiás (Simego), Leonardo Mariano Reis. “Em 20 anos, a medicina avançou extraordinariamente, então é preciso rever os honorários, e a inclusão de procedimentos que não havia na época”, reitera.
“É lamentável que a gente reviva continuamente as mesmas situações e que as vítimas sejam sempre os usuários e os médicos”, afirma a presidente da Sociedade Goiana de Otorrinolaringologia, Maria Cristina Cento Fanti, que foi quem convocou os colegas a participarem de uma manifestação na sede do Ipasgo. “É vergonhoso para todos e acredito que os administradores dos planos de saúde ainda fiquem envergonhados”, complementa.
“Atingimos nosso objetivo com o protesto de 7 de abril. O alerta foi dado às operadoras de planos de saúde e à sociedade com relação aos problemas percebidos por nós. De agora em diante, esperamos que seja feita uma negociação real pelas empresas para acabar com a defasagem dos honorários e a interferência na autonomia dos profissionais”, avalia o coordenador da Comissão Nacional de Saúde Suplementar (Comsu) e 2º vice-presidente do CFM, Aloísio Tibiriçá Miranda, em notícia publicada no site da entidade.
No dia 28 de abril, no auditório do Conselho Federal de Medicina, em Brasília, foi realizada uma reunião ampliadas das entidades médicas, na qual os líderes dos movimento fizeram uma avaliação do andamento das negociações com os representantes dos planos de saúde, trabalho que dever ser conduzido inclusive pelas entidades médicas em nível regional.
Outras iniciativas estão programadas na esfera legislativa. Está prevista uma audiência pública na Câmara dos Deputados para discutir o tema e os parlamentares responsáveis pela solicitação chegaram a falar sobre um pedido de abertura de CPI para apurar supostas irregularidades na saúde suplementar.
“Esperamos que não sejam necessárias medidas radicais, a negociação é o melhor caminho, mas, se for necessário, novas paralisações deverão acontecer. E se medidas extremas forem inevitáveis, poderemos chegar até ao descredenciamento maciço”, garante Lúcia Meluzzi. “Conclamo todos os médicos goianos a participarem ativamente das nossas lutas. Somente unidos poderemos vencer os tubarões inescrupulosos que devoram nossos honorários”, reitera Robson Azevedo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário