quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O único goiano a pertencer ao STJ

A personalidade inquieta de Castro Filho fez com que superasse a infância de imensas dificuldades e chegasse ao topo da magistratura, contribuindo para o crescimento do país

O ministro aposentado do STJ Sebastião de Oliveira Castro Filho é mineiro, mas considera-se goiano, já que veio para Goiás ainda criança. E foi aqui que iniciou sua trajetória na magistratura, tendo cursado Direito da Universidade Federal de Goiás, quando a faculdade situava-se na Rua 20, Centro. Na mesma faculdade, fez dois cursos de pós-graduação: Direito Processual Penal, e Direito Penal. “O primeiro com o saudoso Prof. Romeu Pires de Campos Barros, quando integrei sua última turma, já na Praça Universitária, concluído em 1979 e, posteriormente, em 1983/84, fiz especialização em Direito Penal, agora com o sempre amigo Prof. Licínio Leal Barbosa”, relembra. Quando já era desembargador, resolveu fazer o curso de mestrado, com concentração em Direito Agrário. Foi concluído no ano de 2000, também, na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás. “Cursei Direito para ser juiz. Ser magistrado era vocação de infância”, declara.

VERSATILIDADE DE FUNÇÕES
Mas a inquietação de Castro Filho fez com que desempenhasse várias funções ao mesmo tempo, usando seus dons de comunicador nato. “Quando terminei o curso, em dezembro de 1967, trabalhava com Iris Rezende Machado, na Prefeitura de Goiânia, como assessor de imprensa, escrevia uma coluna semanal para o jornal Cinco de Março, apresentava um programa musical na Rádio Clube de Goiânia (lamentavelmente, não mais existente) e redigia e apresentava um noticiário ilustrado com filmagens, uma vez por semana, na TV Anhanguera, chamado “A Semana na TV”, cujas filmagens eram de responsabilidade de uma empresa denominada Cine Foto Fred. Assim, ainda que o quisesse, não sobrava tempo para outras atividades”. E como havia feito o curso para ser juiz, na advocacia teve apenas participações rápidas em poucas causas, após deixar a Prefeitura, em outubro de 1969, em virtude da cassação de Iris. Em1970 ele realizava seu sonho de infância, aprovado em concurso para magistrado.

“Só quem nunca passou, sequer, pela experiência de uma simples reclamação trabalhista pode desconhecer os males físicos, financeiros e morais que podem causar demandas assim tão demoradas”
Castro Filho comenta que, embora nunca tenha sido político, acabou marcado, porque, depois do Iris, com quem qualifica ter sido gratificante e honroso trabalhar, na época do concurso ele era assessor de imprensa na Prefeitura de Anápolis, com Henrique Santillo, pertencente ao então MDB. “Como o governador de Goiás era Otávio Lage, da Arena, tive alguma dificuldade para ser nomeado. Mas, por justiça, é bom que se diga, não houve perseguição, apenas demora, tendo sido nomeado por ele em janeiro do ano seguinte, indo para Ivolândia, pequena cidade, que muito prezo, no Mato Grosso Goiano”, esclarece.

Assim, foi juiz também em São Luiz de Montes Belos e Jataí, sendo removido para Goiânia no final de 1982. Na capital foi juiz de execução penal e, depois, da 5ª Vara Cível. Por duas vezes foi juiz corregedor, tendo chegado ao Tribunal de Justiça em outubro de 1987. Ali, integrou a 1ª Câmara Cível, da qual foi presidente por cinco anos. Ao longo dos treze anos em que militou como desembargador, presidiu, também, as então Câmaras Cíveis Reunidas, por dois anos, e de 1994/1996, foi presidente do Tribunal Regional Eleitoral. Paralelamente, aprovado em concurso, dedicou-se à docência, tendo sido professor na Universidade Católica de Goiás (hoje PUC-GO) por mais de vinte anos.

No ano 2000, foi incluído numa lista tríplice para ocupar uma vaga no Superior Tribunal de Justiça. “Escolhido pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, e aprovado pelo Senado, fui nomeado ministro daquela colenda Corte, na qual tive a honra de atuar por, praticamente, sete anos, aposentando-me em agosto de 2007”, conta. “No STJ, presidi a 3ª Turma e a 2ª Seção. Até hoje, fui o único magistrado goiano a pertencer ao Superior Tribunal de Justiça, o que é de se lamentar, pois há colegas que poderiam bem representar ali nosso Estado”, afirma.

E como o temperamento de Castro Filho é naturalmente inquieto, desde que foi para Brasília, leciona no Centro Universitário IESB e continua ligado à Escola Superior da Magistratura de Goiás, ainda proferindo palestras e participando de eventos jurídicos no Brasil e no exterior. Além disso, é consultor jurídico e exerce a advocacia, de preferência em tribunais superiores, com participação num escritório em Goiânia – Castro Guedes e Willar – e em outro em Brasília – Castro Filho e Associados.

Castro Filho demonstra a mesma disposição no momento de enfrentar os problemas. “‘A vida é luta renhida’ – já dizia o poeta. A vida, para todos nós, é um permanente desafio. Para mim, não foi e não tem sido diferente. Sou originário de família pobre, muito humilde. Morando e trabalhando na roça, pés descalços, só fui alfabetizado aos onze anos de idade. Aos doze, viemos do Triângulo Mineiro para Goiás. Concluí o curso primário em Joviânia e, em 1954, superando imensas dificuldades (meu pai, então, era pedreiro), com a graça de Deus, vim para Goiânia, estudar na Escola Técnica Federal, no regime de internato”, relata. “Depois de dois anos, para ajudar no sustento de dois irmãos que trouxe para estudar em Goiânia, deixei a Escola e me transferi para o Ateneu Dom Bosco, passando a trabalhar durante o dia, no Estado, numa função em que percebia salário mínimo, até que consegui, também com bastante dificuldade, ingressar no rádio, de início, numa atividade, igualmente, bem simples, que nem existe mais hoje: operador de som. Depois, progredi e fui bem sucedido nesse meio, como locutor, produtor e repórter, além de ter dirigido algumas emissoras de rádio em Goiânia”, orgulha-se.

MUDANÇAS NECESSÁRIAS RUMO À CELERIDADE
Na magistratura, Castro Filho diz que foram também diversas as dificuldades a serem superadas. Dos cinco e meio primeiros anos passados em Ivolândia, ele destaca que não havia nenhuma outra pessoa com curso superior. “Sem experiência na área jurídica e sem ter com quem trocar ideias, muitos foram os desafios que tive de enfrentar, inclusive quando entrou em vigor, em primeiro de janeiro de 1974, o atual Código de Processo Civil, que trazia muitas novidades e não poucas dificuldades, principalmente para quem estava no início de uma carreira de grande responsabilidade”, frisa. “Muitos foram os momentos de angústia e até de sofrimento, principalmente quando se tratava de julgamentos de questões graves, e, mormente, na área criminal ou de família. Devo ter cometido muitos erros, mas sempre decidi cautelosamente, com a intenção de acertar. Por isso, muitas noites de sono perdi antes de certas decisões, mas, felizmente, nunca deixei de dormir em paz, após sérios julgamentos. Dormia com a consciência tranquila de quem tudo fez para decidir da melhor maneira possível”, declara.

E os problemas não eram apenas de ordem profissional: “Quando fui, com a esposa para Ivolândia, tínhamos um filho, com dois anos de idade. Dois outros nasceram quando lá residíamos. Como não havia médicos (havia apenas uma farmácia muito pequena, de propriedade de um prático bem intencionado), muitas vezes, com criança doente, éramos obrigados a vir, à noite, para Goiânia, em busca de tratamento. Mas, felizmente, com esforço e com a ajuda de Deus, as dificuldades foram superadas”, detalha.

Mesmo assim, ele considera que estes trinta e sete anos foram extremamente gratificantes. “Mesmo mal remunerado, principalmente nos primeiros anos, nunca me arrependi de haver ingressado na magistratura. Ao contrário, até hoje agradeço muito a Deus por ter-me possibilitado essa sublime experiência”, assegura. “Então, minha vida na judicatura, em todos os graus, foi marcada quase só por momentos gratificantes. Os que mais marcaram e me alegram até hoje, entretanto, foram aqueles que me deram condição de absolver, com segurança, um inocente e de evitar, com conselhos e orientações, que lares, às vezes, povoados de crianças, se desmoronassem. E, felizmente, ao longo dos anos, como juiz no primeiro grau, não foram poucos os conflitos familiares que consegui conciliar, contribuindo para que voltasse a reinar a concórdia, a harmonia”, assegura.

Para ele, como ocorre em toda parte do mundo, o Poder Judiciário brasileiro padece de muitos males, mas suas qualidades são infinitamente superiores. “Mazelas, lamentavelmente, nós as temos, não há como negar, embora em grau bem inferior àquelas existentes nos outros poderes. Isso, contudo, embora seja muito sério e deva ser combatido com todo rigor, não é o defeito maior. Problema principal — que também não é só nosso – é a morosidade. É, realmente, questão muito séria e de não fácil solução. Temos causas centenárias no Judiciário brasileiro e, o que é pior, talvez ainda necessitem de mais algumas dezenas de anos para chegarem ao final. Questões, não raro, cujos resultados só serão conhecidos pelos bisnetos do proponente da demanda. Isso é horrível”, avalia.

“Só quem nunca passou, sequer, pela experiência de uma simples reclamação trabalhista pode desconhecer os males físicos, financeiros e morais que podem causar demandas assim tão demoradas”, continua o ministro aposentado, dizendo ainda que para minimizá-lo, seria necessário aumentar o número de varas, de comarcas, de juízes, de tribunais. E buscar outros instrumentos que possam ser mais expeditos, mais céleres na resolução dos conflitos. “Temos, realmente, que mudar, é urgente reformar. Mas, como tenho dito em sala de aula e em palestras, a reforma mais séria de que precisamos é a do componente mais importante de todos — o humano: juiz, advogado, membro do Ministério Público, serventuário da justiça e das pessoas em geral. A partir do momento em que passarmos a agir com mais dedicação, eficiência e ética, o número de conflitos se reduzirá substancialmente e os que ainda existirem serão decididos com muito maior rapidez e acerto. Que essa reforma comece hoje, a partir de cada um de nós”, conclama.

Revista da Academia Goiana de Direito, dezembro de 2011.

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