segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Estudo desenvolvido na UnB aponta substância do tabaco como terapia no câncer de boca

A dissertação de mestrado da odontóloga goiana Sílvia Elias trouxe uma revelação surpreendente: o tabaco pode curar câncer de boca. Defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB), a dissertação fez parte de um trabalho maior, desenvolvido com a colaboração da Universidade Nacional de Asssunción, no Paraguai, e envolveu vários pesquisadores da UnB. “Até para nós foi uma surpresa. Estávamos testando cerca de 15 plantas e a primeira que deu resultado foi o tabaco”, comenta a professora Andréa Motoyama, orientadora da dissertação, em entrevista à Revista Darcy, elaborada pelos alunos do curso de Jornalismo daquela instituição de ensino.

Para chegar aos resultados, as folhas de tabaco foram trituradas e misturadas com metanol, produzindo um extrato bruto. A mistura foi posta em contato com células cancerígenas da boca e, em 24 horas, matou 78% das células e, nas 24 horas seguintes, eliminou mais 5%. “Quando vimos os resultados, abandonamos todos os outros extratos e passamos a trabalhar só com esse”, conta Sílvia.
As conclusões preliminares não significam, entretanto, a redenção do cigarro. “Os extratos que testamos não continham nicotina, nem algumas das substâncias presentes no cigarro, que se tornam ainda mais tóxicas quando queimadas”, explica Andréa. Outro estudo, feito com células de camundongos, indicou, inclusive, que a nicotina inibiria a ação da substância capaz de matar células de câncer.


Ainda há um longo caminho até o extrato de tabaco se tornar um medicamento vendido nas farmácias. Pelo menos cinco anos, estima a pesquisadora. É preciso descobrir qual é a substância presente nas frações obtidas que induz a morte das células cancerígenas. Outra etapa ainda não executada é a do teste em células sadias. “Precisamos ver se as frações são tóxicas também para as células normais, ou se essa toxicidade é tolerável”, esclarece.


Somente depois disso é que o medicamento passa a ser testado em organismos vivos: primeiro em camundongos e depois em mamíferos não roedores. “Nessa fase, verificamos se o extrato pode causar danos a outros órgãos, ou se os efeitos colaterais são muito fortes”. Por último, vêm os testes em seres humanos, geralmente autorizados naqueles pacientes que se encontram em estágio avançado da doença. Confira a entrevista concedida por Sílvia Elias
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Como surgiu a ideia de que a folha de tabaco faz bem à saúde, já que ele costuma ser usado para confecção do fumo?
Na verdade, quando começamos a pesquisa não imaginávamos que a folha do tabaco poderia ter essa ação benéfica. Ela iria ser testada, assim como uma série de outros extratos, para verificar qual a sua ação no carcinoma oral humano. Após o primeiro experimento, verificamos essa ação inesperada e, a partir daí, investimos na pesquisa do extrato bruto de tabaco. É importante lembrar que em nenhum momento afirmamos que a folha do tabaco em seu estado bruto é um bom remédio para o câncer de boca. O tabaco continua sendo o principal fator de risco para o desenvolvimento do câncer. O que a pesquisa nos mostra é que a folha de tabaco tem um ou mais componentes capazes de induzir morte nas células de carcinoma oral.

De que forma o extrato combate o câncer de boca?
O extrato bruto de tabaco é citotóxico para a linhagem OSCC3. Ele induz as células a um tipo de morte celular específico, a apoptose. Esse resultado é muito bom porque ao contrario da necrose, a apoptose é um tipo de morte celular programada, que induz menor reação inflamatória e consequentemente menores efeitos colaterais.

Como chegaram a esse resultado?
O primeiro passo foi testar a viabilidade, ou seja, se o extrato era capaz de induzir morte na linhagem de carcinoma bucal estudado. Quando essa morte foi confirmada, passamos aos testes de citotoxicidade e curva dose-resposta. Tanto do extrato bruto quanto das suas frações. Esses experimentos nos mostraram que a ação do extrato é dose-dependente, ou seja, quanto maior a dose utilizada, maior o efeito de morte celular encontrado. Foram feitos então o teste de extração de DNA e western-blot para verificar qual o tipo de morte celular induzido e qual a via envolvida nesse processo. Os resultados foram que a morte celular induzida é a apotose e a via envolvida neste processo é a da caspase-3.

Até que ponto o tabaco é mais eficiente que os remédios quimioterápicos?
No estudo de citotoxicidade a ação do extrato bruto de tabaco foi comparada a ação de um quimioterápico utilizado para esse tipo de câncer, o 5-FU (fluorouracil). Após 48 horas de tratamento o quimioterápico foi capaz de induzir morte celular em 50% das células. Esse número já era esperado quando se faz uma revisão de literatura sobre o assunto. Já o extrato de tabaco induziu 72% de morte nas células tratadas com ele.

Ainda é cedo para comercialização? Quanto tempo demora para chegar até as farmácias?
É sim. Como eu disse anteriormente o que induz a morte celular não é o tabaco bruto de tabaco de uma maneira total e sim uma substância especifica dele, por isso enquanto essa substância não for isolada e testada, inclusive quanto a sua segurança, em animais ela não poderá ser comercializada para o tratamento do câncer de boca. Esse processo é longe e deve demorar pelo menos cinco anos.


Revista Vida Nova, dezembro de 2011.

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