quarta-feira, 16 de março de 2011

Seria o médico goiano um autossabotador?

Iúri Rincon Godinho

O genial Nelson Rodrigues chamava de “complexo de vira-latas” o fato dos brasileiros não acreditarem em si mesmos. Dizia que tremíamos ante os adversários e que, por isso, demoramos bastante, por exemplo, a conquistar a primeira copa do mundo de futebol, em 1958.
No esporte o complexo pode até ter diminuído, mas em Goiás e na medicina continua-se na mesma. É terrível notar o descaso da classe para com os próprios colegas. Como ao cavalo treinado para olhar apenas para um lado, talvez já seja impossível perceber como os doutores de Goiás conquistam postos cada vez mais importantes. E sem reconhecimento.

O governador médico Alcides Rodrigues sofre um linchamento público depois que deixou o Palácio das Esmeraldas, sem que nenhum colega de profissão levante a voz a seu favor. É como se ele nunca tivesse curado ninguém, como se não pertencesse a nenhuma entidade de classe, como se fosse um proscrito que, também no dizer de Nelson Rodrigues, devesse ser caçado pelas ruas como uma ratazana prenha.

O médico Hélio Moreira é presidente da mais importante entidade cultural de Goiás, a Academia Goiana de Letras, e não fosse um patrocínio da Unimed para uma cantata de natal, poderia se dizer que é solenemente ignorado. O ginecologista Waldemar Naves do Amaral é candidato a presidente de uma das maiores sociedades de especialidade da América Latina, a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo). Com exceção de duas ou três entidades locais, não se ouviu absolutamente nenhum depoimento favorável a ele.

O médico goiano parece ser uma espécie de autossabotador. Há alguns anos, quando o cardiologista Abrahão Afiúne se candidatou a presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, conseguiu o impensável: um concorrente local. Contra Abrahão entraram na disputa não apenas os poderosos médicos de centros maiores, mas um colega quase vizinho de sala na Faculdade de Medicina da UFG. Seria engraçado, não fosse ridículo. O próprio Conselho Regional de Medicina faz homenagens apenas a aposentados, como se fosse pecado mortal lembrar dos demais. É um jeito delicado de dizer: me inclua fora dessa.

A história da medicina em Goiás é linda, heroica, abundante de pioneirismos. Mas internamente parece ser difícil enxergar e admitir a vitória do outro. Talvez seja falta de tempo, um argumento que sempre serve de guarda-chuva. Talvez seja desinteresse, egoísmo, inveja. Mas com certeza é uma prática que tem de mudar.

Um comentário:

  1. Análise interessante. A falta de memória e de reconhecimento encerra o movimento médico dentro de si mesmo e nos torna menores que somos. Precisamos interagir mais dentro e fora da categoria. Que o conjunto da entidades sejam capazes de reconhecer seus membros e os de toda a categoria.

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