quarta-feira, 23 de março de 2011

Relações matrimoniais e a lei

Leon Deniz - Advogado

Questão assaz discutida atualmente é a da promulgação da Emenda Constitucional nº 66, que alterou o § 6º do artigo 226 da Constituição Federal, suprimindo a necessidade de prévia separação judicial ou de fato para a dissolução do casamento, por meio do divórcio. Com a aludida emenda, quem desejar, seja por qual motivo, desfazer o vínculo estabelecido pelo casamento, poderá, a qualquer tempo, requerer o divórcio, judicial ou extrajudicialmente, conforme o caso, diretamente, sem que para isso tenha havido a separação anterior ou justificativa plausível.

A discussão se instalou em razão do pensamento de muitos de que a facilitação do divórcio incentivaria o mesmo e destruiria o casamento, alguns afirmando, inclusive, que tal reforma significaria o “fim dos tempos”, de instituições como a família e assim por diante. Após observarmos o desenvolver dos fatos e muito refletirmos a respeito, entendemos por bem externarmos nossa opinião, no afã de contribuirmos com o tema e com a solução da controvérsia.

Para se analisar a possibilidade do divórcio direto estabelecida com a emenda em comento, há que se desprender das amarras do tempo e de pensamentos retrógrados, arraigados no falso moralismo e entender a mudança como parte de um contexto, que tem como principal fundamento a dignidade da pessoa humana. O revogado Código Civil de 1916, muito embora tenha sido pontual à sua época, direcionado pelo comportamento social do início do século XX, trazia uma concepção de família que não traduzia mais a exigência contemporânea.

A dificuldade na dissolução do vínculo do matrimônio gerou um grande número de casamentos falidos e estimuladores de conflitos, bem como aumento das uniões livres, desmatrimonializadas, que foram aos poucos se inserindo na tutela estatal e demonstrando que o segredo de sua força e prosperidade estava na sua própria liberdade e no seu fundamento único: a existência de afeto.

A sociedade contemporânea e o novo espírito constitucional privilegiam a liberdade individual e a autonomia dos cônjuges, que já as detinham na ocasião do início do relacionamento e agora as conquistaram também no momento de dissolvê-lo. Há que se privilegiar a responsabilidade, seja em relação aos filhos ou aos valores humanos dentro da família e da sociedade em geral. Estabelecer dificuldades, impondo-se sanções para o descumprimento dos deveres conjugais representa a ordem contrária dos próprios interesses da sociedade, na busca pela valorização das relações humanas, gerando grande desafeto e litigiosidade desnecessária, que inevitavelmente acabam interferindo negativamente na criação e educação dos filhos.

O que se percebe é que as relações matrimoniais felizes não se mantêm porque a lei assim exige. Ninguém é fiel ao outro cônjuge, respeitando-o e assistindo-o por obrigação legal, mas porque está ligado ao outro pelo vínculo do afeto, sendo direito de ambos os cônjuges de não permanecerem casados sem afeto e de promover a dissolução matrimonial sem a busca, ou até sem a invenção – como há em muitos casos –, de motivos que a justifiquem.

Por outro lado, exigir que os cônjuges, caso frustradas suas expectativas, mantenham uma união falida ou qualquer vínculo, preocupando-se com questões somenos importantes, incentiva relacionamentos artificiais e sem base afetiva, que comprometem a formação psíquica dos filhos e a formação dos cidadãos do futuro; além de impulsionar a escalada do conflito entre os cônjuges, alimentando a angústia e o sofrimento humanos, num percurso processual que perdurará por longos anos.

Enfim, após estas reflexões, concluímos que a Emenda Constitucional foi salutar, representando grande avanço do Direito, muito menos como facilitadora do divórcio como é conhecida, mas primordialmente na promoção da paz social e na entrega de harmonia às relações familiares dissociadas, na medida em que fortalece as verdadeiras uniões, mantidas com base no afeto e no respeito mútuo.

Revista da Academia Goiana de Direito, novembro de 2010

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