Conjunto de mais de 100 doenças causadas por uma série de fatores genéticos ou adquiridos, o câncer pode acarretar ao paciente e familiares dores, perdas; em alguns casos de membros, e em outros, a morte. O acompanhamento psicoterapêutico é uma ferramenta que auxilia a passagem por essas dificuldades de forma mais suave, menos violenta. Quem garante é a psicóloga especializada em psicodrama, Valéria Vilela, que trabalha com pacientes vítimas de dor crônica e em situação de luto. A especialista ressalta que o luto não se refere apenas à morte de um ente querido, mas, inclusive, à separação, perda de um trabalho, perda de um membro do corpo por doença ou por acidente, aposentadoria, perda de animal de estimação, dentre outras. “A elaboração do luto é necessária em todos os tipos de perda”, assegura.
De acordo com a psicóloga, o objetivo do acompanhamento psicoterapêutico não é curar a dor, mas auxiliar a pessoa a conviver com mudanças drásticas e conquistar uma melhor qualidade de vida. Valéria Vilela frisa que ter consciência de como a dor funciona no corpo, por exemplo, pode ajudar na aceitação. “O ideal é que pessoas em situação de perda ou luto passem por um aconselhamento ou acompanhamento psicoterápico. Podem haver questões subliminares, que por vezes aparecem nessas situações de intenso estresse, que necessitam de um acompanhamento especializado”, defende.
Outro importante papel do tratamento psicoterapêutico é impedir somatizações, pois ajuda a extravasar a dor psicoemocional. “A psicoterapia acelera e suaviza a passagem pelo luto e pela perda. O que a pessoa vivencia sozinha, sem ajuda, talvez se estenda por mais tempo. A psicoterapia auxilia a pessoa a tomar consciência de fatos que, muitas vezes, sozinha não perceberia”, assinala.
O luto considerado normal demora, segundo a especialista, de um a dois anos. “Entretanto, isso depende da personalidade de cada um, da forma com que cada um lida com a perda”, alerta Valéria. O conhecimento das fases do “enlutamento” ajuda o profissional a identificar se o paciente está realizando um luto normal ou um luto patológico, que necessita de acompanhamento psicoterapêutico. Em caso de luto normal, o aconselhamento psicológico é suficiente, ou seja, de 10 a 16 sessões, uma por semana usualmente, com duração de aproximadamente quatro meses. “A descrição das fases do luto nos possibilita compreender teoricamente o processo patológico intrinsecamente presente, sendo possível redirecionar o enlutado rumo a comportamentos mais adaptativos”.
AS FASES DO LUTO
Entorpecimento: ocorrem choque, entorpecimento, descrença; por poucas horas ou muitos dias, podendo haver crises de raiva ou de desespero. O enlutado pode se sentir atordoado, paralisado, desamparado. Podem surgir sintomas físicos, como suspiros, rigidez no pescoço e fundo no estômago. A negação inicial é uma defesa contra a aceitação e uma tentativa de manter a vida como era antes da perda.
Anseio e protesto: essa etapa é de emoções intensas, de grande sofrimento psicológico e agitação física. A consciência da perda desperta o anseio de reencontrar o morto, existem crises de dor e de choro. A pessoa se torna introvertida, dando importância apenas ao que diz respeito ao morto. É um momento paradoxal - por um lado, a certeza da perda inquestionável, por outro, a vontade enorme de recuperar a pessoa perdida. Pode eclodir muita raiva contra os que estão disponíveis e contra si mesmo, e culpa por pequenas omissões em relação ao morto. A raiva, inclusive, pode se voltar contra o falecido devido à sensação de abandono que ele provocou. O enlutado move-se continuamente, como à procura do morto, voltando-se para lembranças e objetos dele. Surgem sentimentos antagônicos, esperança e desapontamento, lado a lado.
Desespero: após o primeiro ano, o enlutado reconhece que a perda é definitiva, deixando de buscar o morto. Esta fase é mais difícil do que as demais, pois a pessoa não acredita que pode manter algo que valha a pena, tornando- se apática e deprimida. Há desinteresse por todo tipo de atividades, tende a se afastar das pessoas, não se concentra nos serviços rotineiros; o enlutado perde o sentido da vida. A recuperação é demorada e dolorosa. Continuam os sintomas somáticos, como falta de sono, redução do apetite e do peso, distúrbios gastrointestinais.
Recuperação e restituição: a depressão e a desesperança passam a se alternar, cada vez mais, com sentimentos mais positivos. O enlutado começa a aceitar e a lidar melhor com as modificações, em si mesmo e na situação. Reordena-se a identidade, o que leva a pessoa a desistir de ter o morto de volta; ela se torna mais independente. O enlutado reata antigas amizades e inicia novos relacionamentos, superando o resto de instabilidade em relação à vida social. Mesmo estando em um estágio melhor, o enlutado pode ter momentos de recaída nas datas de aniversário de nascimento, de morte e de casamento: são as “reações de aniversário”.
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