Centro-Oeste é a terceira região brasileira com a pior distribuição de médicos por habitantes, segundo estudo divulgado ontem pelo Conselho Federal de Medicina (CFM)
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RUI GILBERTO FERREIRA, presidente da AMG |
Também em relação à assistência médica o Brasil é um país marcado pela desigualdade, segundo estudo divulgado no dia 18 de fevereiro pelo Conselho Federal de Medicina e Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), coordenado pelo pesquisador Mario Scheffer. A pesquisa “Demografia Médica no Brasil em 2012- cenários e indicadores de distribuição” trouxe novos dados sobre o perfil e a distribuição dos médicos no Brasil. O estudo mostra que o Centro-Oeste é a terceira região com a pior distribuição de médicos por habitantes, perdendo apenas para a Norte e a Nordeste. As melhores colocadas no levantamento foram Sul e Sudeste.
O estudo mostrou que o número de médicos registrados no Brasil chegou à marca de 388.015 em outubro de 2012. Esse índice corresponde a uma razão nacional de dois médicos por grupo de mil habitantes. Nos últimos 42 anos, o total de médicos no país cresceu 557,7% enquanto que a população em geral aumentou 101,8%; a razão médico/habitante também apresentou crescimento significativo.
No Centro-Oeste, Goiânia lidera o ranking das capitais com mais médicos por habitantes, apresentando 5,42 médicos por mil habitantes. Chamam a atenção as desigualdades entre a capital e o conjunto do Estado. Embora a capital goiana tenha mais de 5 médicos por mil habitantes, no Estado este índice é de apenas 1,73 médicos por mil habitantes. “Embora a quantidade possa ser considerada adequada, a distribuição é inadequada, mais de 67% dos médicos estão na grande Goiânia e a concentração dos especialistas e serviços de alta complexidade é ainda mais evidente”, comenta o presidente da Associação Médica de Goiás, Rui Gilberto Ferreira. “Sugiro uma política de incentivo financeiro e melhores condições de trabalho para fixar os profissionais no interior”, aponta.
Uma conjunção de fatores – como a ausência de políticas públicas efetivas nas áreas de ensino e trabalho, assim como poucos investimentos – tem contribuído para que a população médica brasileira, apesar de apresentar uma curva constante de crescimento, permaneça mal distribuída pelo território nacional e com baixa adesão ao trabalho na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente nas áreas de difícil provimento.
As cidades de maior porte, especialmente as capitais, concentram a maioria dos médicos brasileiros, aumentando a desigualdade na assistência à saúde. Nove capitais têm mais de 5 médicos por mil habitantes. Todas as capitais do Sul – Porto Alegre (8,73), Florianópolis (7,72) e Curitiba (5,71) – possuem razão de médicos registrados bem acima da média nacional. As três cidades superam ainda as médias de seus Estados, respectivamente, Rio Grande do Sul (com 2,37 médicos por 1.000 habitantes), Santa Catarina (1,98) e Paraná (1,87).
Vitória apresenta a razão de 11,61 – a maior concentração do Sudeste e também nacional de médicos por mil. Por outro lado, esta situação não se reproduz no conjunto de cidades do Espírito Santo, que tem razão de 2,17 – e teria menos se nesse total não estivessem contados os médicos da capital. Ainda no Sudeste, a cidade de São Paulo aparece proporcionalmente com a menor razão entre as capitais, com 4,48 médicos por mil moradores.
Nos estados habitados por população de menor renda, o fenômeno também se repete. Macapá, com 1,38 médico por mil habitantes, tem a menor razão tanto na região Norte, quanto nacionalmente. No entanto, apesar do desempenho tímido, o índice da capital é maior que o do próprio Estado do Amapá, que possui 0,95 médico por mil habitantes. Belém, no Pará, tem o melhor desempenho da região Norte, com índice de 3,44 – três vezes maior que a razão do estado como um todo: 0,84.
No Nordeste, a distorção se confirma. Em algumas capitais da região, há forte concentração de médicos/habitante, como ocorre em Recife (6,27), João Pessoa (5,22), e Aracaju (4,95). Essas três cidades superam as médias de seus Estados, respectivamente, Pernambuco (com 1,57 médico por 1.000 habitantes), Paraíba (1,38) e Sergipe (1,42). Enquanto isso, a capital maranhense, São Luís, conta com o índice de 2,88 médicos, enquanto o estado se posiciona na rabeira do ranking estadual, com apenas 0,71 profissionais para cada grupo de mil moradores.
SEM NÚMERO SUFICIENTE
Ainda de acordo com o estudo sobre a Demografia Médica no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) apresenta o quadro de profissionais defasado em todo o país. O número de médicos (215.640) que atuam nos serviços públicos representa 55,5% do total de quase 400 mil profissionais ativos na área. Conforme o levantamento, o esse percentual é insuficiente para atender a demanda do SUS, que atende constitucionalmente a toda a população. De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), essa razão representa 1,11 médicos que atendem pelo SUS por mil habitantes, frente a razão de 2 por mil referente ao conjunto do profissionais registrados.
Em Goiânia a situação não é diferente. De acordo com dados do Cremego, dos 10.651 médicos registrados, o número dos que atendem pelo SUS é de apenas 6.679. “Mais de 80% da população de Goiás são de usuários do SUS”, afirma Rui Gilberto. “Precisa melhorar a assistência à saúde pública, remunerar melhor os profissionais de saúde, implantar os seus planos de cargos e salários nos serviços públicos federal, estaduais e municipais, tendo como referência de remuneração o piso salarial proposto pela Federação Nacional dos Médicos (Fenam), de R$ 10 412,00 por 20 h/semanais no serviço público e a Classificação Brasileira Hierarquizada de procedimentos Médicos (CBHPM) para os convênios médicos”, reivindica o presidente da AMG. Para ele, deve haver inclusive maior empenho para o ensino de saúde pública nas grades da graduação dos profissionais da saúde.
Na distribuição regional, o Sudeste tem a razão mais alta, com 1,35 médico cadastrado no CNES prestando serviços ao SUS por grupo de mil habitantes. Nas demais regiões, os índices são ainda piores. No Sul, há 1,21 médico na rede pública por mil moradores; no Centro-Oeste, a razão é 1,13; no Nordeste, 0,83; e no Norte, 0,66. Em todos os estados, há uma concentração maior de médicos vinculados ao SUS nas capitais em comparação com a realidade vivenciada pelos outros municípios.
Para o presidente do Cremesp, Renato Azevedo Júnior, “sem uma política eficaz de presença do Estado no desenvolvimento das áreas desassistidas e sem uma política de valorização e de fixação de profissionais com ênfase nas carreiras públicas, esse quadro de desigualdade pode se acentuar, pois o mercado e não o Estado é que continuará a determinar e distribuição dos médicos no Brasil”.
“Com dados que reforçam os argumentos que temos levado ao debate público, esperamos que os gestores tomem as medidas necessárias para que a Medicina possa ser exercida em sua plenitude. Com isso os médicos poderão cumprir sua missão em prol da melhoria da saúde do ser humano e do bem estar da sociedade”, ressaltou o presidente do CFM, Roberto Luiz d’Avila. Ele confia que o trabalho subsidiará a elaboração de políticas públicas nos campos do trabalho e do ensino médico.
O documento - disponível no site do CFM (http://www.portalmedico.org.br) - será encaminhado às lideranças do movimento médico, parlamentares, gestores públicos e privados, especialistas em saúde, ensino e trabalho. Os Conselhos de Medicina pretendem fazer a entrega formal dos resultados aos ministros da Educação, Aloizio Mercadante, e da Saúde, Alexandre Padilha, para que ambos possam ter conhecimento da realidade.
Revista Medicina em Goiás, fevereiro de 2013.